11
de junho de 2003
O
gaúcho Jorge Furtado é um
dos melhores diretores de atores do cinema brasileiro. O
homem que copiava (2003) revela isto com clareza:
a displicência de Luana Piovani, os carregados trejeitos
cômicos de Pedro Cardoso, o semblante televisivo de
Leandra Leal e as características assustadas de Lázaro
Ramos são contidos pela firmeza de linhas da direção
de Furtado e o resultado é um quarteto interpretativo
que funciona como poucas vezes se viu em realizações
nacionais recentes.
Depois
das superfícies agradáveis de Houve
uma vez dois verões (2002), o cineasta,
sem perder seu alto grau de comunicação com
todos os públicos, deixa agora sobressair seu lado
mais culto e exigente. Profundamente escrito, em diálogos
bastante naturais e com a insistente voz-over do narrador-protagonista,
o filme passeia por Shakespeare (um recitado soneto do poeta
inglês é um dos centros da película)
e Cervantes, visitando até um autor tão raro
quanto Xavier de Maistre; toda a miscelânea de referências
eruditas não prejudica a fluência e a naturalidade
da narrativa, pois Furtado nunca perde de vista a harmonia
de espetáculo do cinema.
Recorrendo inclusive à linguagem ágil dos
quadrinhos, pois assim também o fazia o francês
Alain Resnais, uma das influências do realizador gaúcho,
Furtado transforma seu filme num jogo de montagem bastante
original. Se sua personagem vive a copiar documentos na
máquina fotocopiadora e vê o mundo assim, fragmentariamente,
um pedaço de livro aqui, um pedaço de outro
livro acolá, informações culturais
dispersas, O homem que copiava mostra um
diretor que não copia ninguém; sua narrativa
não é dispersiva e tem alma própria.
A história contada pelo fotocopista está começando
a ser recontada, em cores mais realistas, no fim do filme
pela boca de sua namorada. Como o inglês Alfred Hitchcock
em Janela indiscreta (1955) – uma
das alusões da fita de Furtado -, O homem
que copiava inova na linguagem cinematográfica
com uma experimentação quase imperceptível,
propondo combinações pessoais com os planos
de sempre.
Por Eron Fagundes
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