5
de agosto de 2003
Como
seu pai, o ficcionista Rubem Fonseca, o cineasta José Henrique
Fonseca demonstra, em O homem do ano (2003),
a afeição por uma narrativa policial em que estão
no centro da trama as mais excêntricas personagens da vida
marginal brasileira da atualidade. Fonseca, o filho, foi buscar
num romance da paulista Patrícia Melo, O matador
(1995), o tema de seu filme, que foi roteirizado por Fonseca-pai,
cuja voz chega a aparecer (a informação está
nos créditos finais) numa secretária eletrônica.
O
homem do ano é um filme exibicionista em sua imponência
de imagem. Começa com uma panorâmica para a direita
numa esquina da metrópole, à noite, breve e tenso
movimento de câmara; este “estribilho visual”
vai aparecer mais duas vezes ao longo do filme. Depois se vai
contar meio apressada e linearmente a história de Máiquel,
o homem que pintou os cabelos de loiro em face duma aposta futebolística
e, assim aqui e ali empurrado pelos acontecimentos, vira matador
profissional de marginais –embora seu projeto de vida fosse
tornar-se um cara normal, casar, ter filhos, arrumar um bom emprego,
estas coisas decentes e descomplicadas duma boa e alienada classe
média.
Fonseca
nunca chega a engatar a marcha adequada no carro perturbado que
é seu filme. Nem Murilo Benício nem Cláudia
Abreu (casada com o realizador), ambos funcionando como o nervo
inicial da coluna do filme, adquirem a espontaneidade requerida
por seus papéis; desde aquela seqüência em que
Cláudia está pintando os cabelos de Murilo, a falta
de jeito para os papéis do par se cristaliza e, assim,
permanece insolúvel uma das questões básicas
da proposta de Fonseca: penetrar com veracidade no mundo retratado.
Se Desmundo (2003), de Alain Fresnot, coloca
a bastardia como possível origem do Brasil, o que descende
desta bastardia, segundo Fonseca em O homem do ano,
é uma tendência criminosa da sociedade em todas as
suas camadas (ou gavetas). Se Fresnot é por via de regra
cinematograficamente rigoroso em seu estilo de filmar a história
brasileira, Fonseca afrouxa em concessões às facilidades
do público para dar um recado contemporâneo. Sem
a habilidade de Fernando Meireles em Cidade de Deus
(2002) ou de Hector Babenco em Carandiru (2003),
Fonseca está muito longe de expor conseqüentemente
em celulóide o universo marginal do país.
Para
que a importância de Fonseca-filho no cinema chegue a igualar
a de Fonseca-pai na literatura, longo vai ser o caminho.
Por Eron Fagundes
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