30 de agosto de 2004
Ao
cineasta Jayme Monjardim não interessa muito compreender
os caminhos de uma época em Olga (2004), filme extraído
dum livro de Fernando Morais. O que se coloca como objetivo do
realizador é desviar o foco da áspera discussão
política para um melodrama que envolvesse os dois protagonistas
e a filhinha recém-nascida deles: senão, a produção
teria muitas dificuldades em recuperar os doze milhões
de reais ali investidos; enfim, o cinema como investimento e
nunca como uma hipotética arte.
Não deixa de ser constrangedor observar como Monjardim
filma a trajetória de personagens como Prestes e Olga à semelhança
daquela forma que o hollywoodiano diretor James Cameron utiliza
para rodar seu Titanic (1997): alguém pode apontar-me
a diferença entre o que acontece aos náufragos
apaixonados da fita de Cameron e as facilidades emocionais em
que se dissolvem o Prestes e a Olga de Monjardim? As inquietações
libertárias de Olga e Prestes são vítimas
do naufrágio estético da mão do diretor
que fez seu aprendizado na Rede Globo de Televisão.
Uma
das declarações instrutivas de Monjardim revela
veleidade estilística. Diz ele, sobre seu filme, que prefere
planos fechados aos abertos, e isto, afirma ele, seria uma questão
de estilo. De fato: os planos fechados do cinema de Monjardim
nascem da preguiça televisiva, e, considerando a grandiloqüência
duma produção cheia de artificiosos e nada críticos
cenários de época, estes planos fechados incomodam.
Não são os planos fechados opressivos e devastadores
do sueco Ingmar Bergman; são planos fechados vazios e
superficiais. Talvez Monjardim quisesse ser capaz de falar dos
sentimentos de suas criaturas ao mesmo tempo em que esboçava
o retrato de um tempo obscuro; mas falta-lhe o estofo do italiano
Luchino Visconti, que sabia como ninguém situar o melodrama
dentro duma régua histórica.
A
atriz Camila Morgado, em desempenho de fato fascinante, em que
personagem e intérprete se influenciam mutuamente,
refaz as loucuras interpretativas de Marie Falconetti em A
paixão
de Joana d’Arc (1928), obra-prima do dinamarquês
Carl Theodor Dreyer: daí alguns comentaristas terem equiparado
o desenho de Olga por Camila a uma Joana d’Arc contemporânea.
Enfim, Olga e Joana foram mulheres diferentes e marcantes, assim
como a brasileira Anita Garibaldi, a quem Olga homenageia batizando
sua filha de Anita.
Na
verdade, o filme de Monjardim e eu não necessitamos
um do outro; Olga não verá seu sucesso arranhado
por estas desairosas linhas e eu prescindo dos golpes baixos
de sua narrativa para seguir perseguindo certas idéias
de cinema que teimam em esvoaçar ao redor de meu cérebro.
Por Eron Fagundes
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