22
de março de 2004
O chinês
de Hong Kong John Woo coloca-se no lado oposto de seu patrício
Wong Kar-Wai. Se Kar-Wai busca um formalismo experimental que
faz de seu cinema um evento elitista, Woo, embutido na indústria
americana, apela para outro tipo de formalismo, o formalismo
comercial. Um e outro são perigosas abstrações
beirando a desumanidade formal pura, mas Kar-Wai põe a
seu serviço a sensibilidade de seu cérebro de cineasta,
coisa que é difícil topar em Woo. Nas entranhas
da linguagem de ambos os realizadores, algumas semelhanças
superficiais: um certo gosto pela excentricidade das imagens
e um viva ao cerebralismo. É claro que Woo adapta tudo
ao gosto do público hollywoodiano: seus produtores não
lhe dariam novas oportunidades de filmar se arriscasse jogar
fora o dinheiro investido.
O
pagamento (Paycheck; 2003) é a nova futilidade visual
cometida por John Woo. Extraído duma dessas historietas
de Philip K. Dick, especialista em mirabolantes e confusas tramas
modernosas sobre estranheza de situações e personagens
fora de órbita, o filme tergiversa em torno de algo que
não leva a lugar algum: um técnico de computação,
inventor duma máquina de última geração,
vê sua memória apagada por artimanhas dos interesses
da firma para a qual criou o dito invento; muita correria e chuviscos
de efeitos especiais esforçam-se por encobrir o vazio
temático da narrativa.
Enfim,
O pagamento produz a união de um cérebro
oriental com os capitais de Hollywood para gerar uma fantasia
tecnológica que se desperdiça num espaço
sem nada. Como aqueles corredores de luzes e sombras que sobrevivem
a pau e corda à evocação do que fez Stanley
Kubrick na obra-prima 2001, uma odisséia no espaço (1968).
Por Eron Fagundes
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