O EROTISMO APRENDIDO-APREENDIDO

Sábado, 29/03/2003

Não se pode esquecer que a realizadora francesa Catherine Breillat foi assistente de direção do italiano Bernardo Bertolucci em O último tango em Paris (1972); desde seu filme de estréia, Uma adolescente de verdade (1976), visto este ano na cidade, a obra da cineasta revela este aprendizado-apreensão do erotismo, substituindo ao poético- filosófico de Bertolucci o pueril-descontraído, embora se esforce por seguir aquelas pegadas formais do realismo interior do tango bertolucciano. Outra herança bertolucciana: a provocação moral partindo do sexo. Em 36 fillette (1988), visto há muitos anos num Festival de Cinema do Rio de Janeiro, o jogo de atração-repulsa que uma jovem tinha por um velho estava em cena. Em Romance (1999), que há quatro anos despertou escândalos estéticos (até que ponto a crueza documental das relações sexuais pode ser arte em cinema?), a exacerbação carnal desconfortava o espectador.

Talvez seu atual Para minha irmã (À ma soeur; 2001), lançado pela Sala Santander, seja o mais acabado de seus filmes, aquele em que seu recado cinematográfico parece mais transparente. Transparência: uma das características do realizador francês Eric Rohmer. Os diálogos precisos e a demora da câmara sobre os atores, tudo aliado a um despojamento essencial, lembram o cinema do cotidiano e do espírito praticado por Rohmer: falta, claro é, a profundidade de análise do mestre de O joelho de Claire (1970). A lentidão narrativa que a diretora extraiu de seus professores (Bertolucci, Rohmer) é às vezes insinuante, outras dispersiva: belezas e feiúras de um cinema menor à imagem dos grandes.

Realizando com tato o inventário banal do aprendizado sexual de duas irmãs adolescentes (uma de 15 anos, seduzida por um garoto italiano; e outra de 12, ao final do filme estuprada por um caminhoneiro que lhe mata a mãe e a irmã antes de possuí-la avidamente num mato), Breillat brinda o espectador com uma película que, se não chega a encher os olhos, permite o contato com um cinema bastante inusitado para o estágio de comércio de imagens de nossos dias.

Por Eron Fagundes