15 de fevereiro de 2008
Os jovens febris, inquietos, potencialmente destruidores estão novamente no nervo narrativo de Paranoid Park (2007), o mais recente filme do norte-americano Gus Van Sant. Os rostos dos trabalhos de Van Sant são geralmente pouco conhecidos do espectador e adotam como padrão uma desglamurização cênica que se afasta daquela beleza marcada e óbvia do cinema de Hollywood; há um despojamento quase documental na maneira com que o cineasta se acerca destes rostos e destas vozes. Os jogos entre as frases ditas por uma personagem dentro do quadro (voz-in) que dialoga com as frases ditas por uma personagem fora do quadro (voz-off) são recursos amiudados em Paranoid Park; assim como a câmara leve, agitada e inconstante como as criaturas que enquadra, estas sutilezas de identificação formal podem aproximar Van Sant do francês Eric Rohmer, não fossem os abismos que separam os dois universos humanos e estéticos. O que há é a minúcia minimalista do realizador para achar o tom certo de voz e deslocamento espacial de suas personagens, entre cheias de vida e perturbadas; neste sentido, Paranoid Park leva adiante um processo estilístico que já estava depurado no filme de Van Sant anteriormente exibido por aqui, Elefante (2003). É pena que a filmografia do diretor apareça fragmentariamente entre nós, impedindo o observador de desfrutar duma unidade fílmica que avança cada vez mais.
Como Elefante, Paranoid Park se debruça sobre as possibilidades de violência da juventude a partir da contemplação do tédio desta juventude. O protagonista, Alex, na pele desdramática de Gabe Nevins, causou acidentalmente a morte de um vigia sob as rodas dum trem num parque de skatistas em Portland; a investigação policial e uma fotografia mostrada em sala de aula a alguns skatistas (Alex entre eles) vai deflagrar o processo de culpa e memória da jovem personagem. Certos planos que apareciam no início do filme elípticos e estranhos são repostos na montagem, acrescidos da cena do crime, ante a ativação da memória de Alex. Como ocorre em Desejo e reparação (2007), do inglês Joe Wright, o reaproveitar de situações já vistas em outro momento narrativo serve a explicar o que de fato aconteceu. Tanto Van Sant quanto Wright valem-se com clareza e fluência do uso perigoso destes vaivens. De qualquer maneira, estas possíveis inquietações narrativas destes realizadores modernos estão à distância daquelas complexidades dos espanhóis Luis Buñuel em O anjo exterminador (1962) e Carlos Saura em Elisa, vida minha (1977), que turbilhonavam o olhar do assistente com suas repetições.
Entre os curiosidades sofisticadas de Paranoid Park, estão inserções de algumas partituras do músico de cinema italiano Nino Rota para filmes de Federico Fellini, como Julieta dos espíritos (1965) e Amarcord (1973). Tensão contemplativa da juventude desta virada de milênio, Paranoid Park é uma obra que, como todo o cinema de Gus Van Sant, busca a originalidade de seu espaço.
Por
Eron Fagundes