IMAGENS FUGIDIAS DE PARIS
 

 

13 de julho de 2007

Paris é uma cidade cinematográfica. E mais ainda para quem nunca esteve lá e, apaixonado por cinema, tem delas as visões que cineastas como o norte-americano Vincent Minnelli (Sinfonia de Paris, 1950) e o francês François Truffaut (Os incompreendidos, 1959) esculpiram em celulóide.

Paris, te amo (Paris, je t’aime; 2006) é uma homenagem —vasta, irregular, ingênua, patética, emocionada— que o cinema atual (princípios do século XXI) presta a esta cidade que ao longo dos anos tanto tem servido ao cinema. São vinte e um pequenos “trechos fílmicos” em torno de cinco minutos cada um onde diretores diversos, de assuntos e tendências que se afastam muito entre si, contam (ou pretendem contar) histórias cujo denominador comum é a ambientação parisiense. Alguns diretores têm prestígio (Olivier Assayas, os irmãos Coen, Wes Craven, Gus Van Sant), outros nem tanto (Vincenzo Natalli, Nobuhiro Suwa, Crystopher Doyle); o resultado não apresenta unidade, apesar do pretendido denominador comum (Paris ou o amor a uma cidade ou o amor em si mesmo), mas o espectador pode divagar com um certo prazer visual por estas linhas desencontradas em que esta aparente coletânea de curtas se vai transformando ao longo da projeção.

O problema central é que os diretores escalados estão mais habituados a rodar filmes longos; em todos os filmes curtos de Paris, te amo o observador se frustra no acompanhamento das histórias, as coisas se tornam fugidias e se esfumaçam no final: os realizadores não toparam com o ritmo certo para seus curtas. Uma Paris quase inconsistente é o que vemos na tela.

Ben Gazarra e Gena Rowlands se encontram num bar para se separar em Quartier Latin, dirigido por Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu (Depardieu faz igualmente o garçom que atende o casal de velhos); o brilho dos atores sustenta o interesse do assistente, mas o desenrolar dramático se dissolve, projetando-se para o nada. Os irmãos Joel e Ethan Coen em Tuileries, com a interpretação irônica de Steve Buceni, fazem misérias no metrô parisiense para criar um clima de estranheza que de fato ocorre mas é pouco para a realização alçar o vôo prometido. Bob Hoskins e Fanny Ardant exercitam uma sedução noturna em Pigalle, mas o diretor Richard LaGravenese não os utiliza em toda a extensão cinematográfica possível. Alfonso Cuarón, em Parc Monceau, busca a sutileza de imagens à francesa, fazendo de Sara Martins e Nick Nolte quase-plágios de criaturas de Woody Allen ou Eric Rohmer, não sendo por acaso que ao passarem Nick e Sara por uma locadora vemos os cartazes de Setembro (Allen) e As noites de lua cheia (Rohmer), não sendo também por acaso que a criatura de Sara se chame Claire, como a personagem-título de O joelho de Calire, um dos mais luminosos filmes de Rohmer. Isabel Coixet tenta uma história de amor, fuga, traição, reconciliação, solidariedade na morte em Bastille, onde um homem, quando vai dizer à sua mulher que a trocará por outra mais nova, recebe a notícia de que a esposa está com leucemia, volta atrás, acaba com a amante (por celular, como convém nos dias de hoje), se reapaixona pela mulher; mas Coixet sente mais que todos a falta de um espaço de tempo maior para elaborar as emoções de sua narrativa. O sul-africano de origem germânica Oliver Schmitz quase chega lá em Place des fêtes ao expor a triste história dum músico negro que se apaixona por uma garota também negra que depois vem a socorrê-lo como paramédica quando ele está morrendo ferido; mesmo assim, faltou algo na força das lágrimas finais de Aïsna Maïga, que vive a bela paramédica negra. Juliette Binoche está brilhante em Place des Vicoires, de Nabuhiro Suwa, na pele duma mãe assombrada pelas evocações de seu pequeno filho morto, e Willem Dafoe aparece muito bem como um fantasma de cowboy, mas ainda estamos diante do prejuízo do tempo. Alexander Payne é curioso em 14th arrondissement ao expor pateticamente Margo Martindale como uma solitária visitante de Paris; o tom narrativo cabe bem no conceito de curiosidade, mas não passa disto.

Eu não diria que Père-Lachaise, de Wes Craven, não sofra os problemas de duração, como todos os outros gêmeos que estão a seu redor. Mas é uma pequena obra-prima no seio de Paris, te amo: Craven, que nos últimos anos muitas vezes tem incorrido em grosserias comerciais, se recupera admiravelmente neste curta de notável sensibilidade onde a visita de um jovem casal de noivos ao famoso cemitério parisiense é pretexto para que o realizador americano evoque o fantasma irreverente do escritor inglês Oscar Wilde. É o espírito de Wilde embutido na criatura vivida por Rufus Sewell que vai transformar o burocrático relacionamento dos noivos. É comovente a homenagem que um  americano típico como Craven presta à iconoclastia européia de Wilde. Mais de trinta anos depois de suas infernais experiências de horror com formas amadorísticas em Aniversário macabro (1974), uma obra-prima, Craven dá outro registro, mais contido e refinado, de seu inconformismo. Wilde é um bom professor.
Outra curiosidade que aparece em Paris, te amo é ver um realizador surgir como ator num filme de outro realizador. Se Depardieu aparece em seu próprio segmento, Craven vai ser a vítima da vampira em Quartier de la Madeleine, de Vincenzo Natali, e Alexander Payne vai ser a figura bastante pictórica e aristocrática de Wilde que vemos na realização de Craven.

Enfim, se não chega a ser bem logrado, Paris, te amo interessa mesmo pela curiosidade do projeto e pela amplitude de suas intenções.

Por Eron Fagundes

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