21 de abril de 2008
O romance francês Partículas elementares (1998), de Michel Houllebecq, traduzido no Brasil há nove anos pelo escritor gaúcho Juremir Machado da Silva para a Editora Sulina, de Porto Alegre, é um autêntico romance-ensaio: o cérebro apocalíptico do narrador (perverso, duro) de Houellebecq é um diretor de cena e impõe um ritmo necessariamente intelectual à narração; mas não se trata de um intelecto maçante, enrijecido, pois a cabeça do ficcionista cria um universo imaginativo e criativo. Houellebecq se diz admirador dos franceses Honoré de Balzac e Marcel Proust, mas sua genética literária provém antes de outro francês, Louis Ferdinand Céline (que Houellebecq execra), e do tom desbravador e profético do inglês David Herbert Lawrence (as páginas finais de Partículas elementares tem atmosfera idêntica àquela devastação que emana das frases que encerram Mulheres apaixonadas, 1921, de Lawrence).
É bom começar pelo livro de Houellebecq para situar o filme que o alemão Oskar Roehler extraiu do romance. Partículas elementares, de Roehler, não deve passar à história do cinema como deverá acontecer com a obra-prima de Houellebecq na literatura. A trajetória enviesada e complexa dos dois meio-irmãos inventados pelo autor francês é transformada num sistema mais esquemático pelo diretor alemão, onde a obsessão sexual de Bruno e o cérebro científico de Michel funcionam mais como estereótipos do que uma fonte para iluminar a ideologia perversa (como o livro) do filme.
O filme tem seus requintes de provocação moral, extraídos a esmo do romance. Chega aqui e ali esta provocação a funcionar e em alguns momentos, como aquele em que Bruno participa duma sombria orgia com sua namorada, a textura visual da realização atinge ares pasolinianos. O italiano Pier Paolo Pasolini não é a referência mais evidente do filme alemão. O que mais se evidencia é que Partículas elementares se parece com as obras do alemão Rainer Werner Fassbinder, como linguagem e também na pintura de tipos tão desgraçados e dementes quanto Bruno. O rigor intelectual e formal de Partículas elementares às vezes se perde e Roehler não atinge o distanciamento narrativo que há em Fassbinder, o diretor de cinema, e em Houellebecq, o escritor; ou seja, ainda há um distanciamento, mas, talvez por inabilidade de Roehler, este distanciamento se desfoca pela inserção de um certo sentimentalismo nas relações entre as personagens.
Pode parecer que se esteja sendo duro com o filme alemão, que não deixa de ser um espetáculo curioso e diferenciado na programação de cinema e pode servir de carta introdutória para as massas à magnífica literatura de Houellebcq; mas o culpado é o próprio romance francês, tão potente que talvez só pudesse ser tão bem feito cinematograficamente se o italiano Bernardo Bertolucci, não o de hoje, mas o provocador dos anos 70, o Bertolucci de O último tango em Paris (1972) e La Luna (1979), pusesse a mão da massa literária de Houellebecq. Cenas bertoluccianas: Bruno masturbando-se diante da foto e do trabalho acadêmico duma aluna, despejando sua porra sobre as páginas do trabalho; Bruno desejando, ainda adolescente, sua puta mãe nua que está adormecida ao lado de seu amante.
Por
Eron Fagundes