05
de julho de
2004
Em
Passaporte para a vida (Laissez-passer; 2002) o realizador francês
Bertrand Tavernier segue fazendo um cinema formalmente original
e repleto de anotações humanas e sociais. É claro
que está longe das sutilezas de Uma semana de
férias (1981) ou Um sonho
de domingo (1984), nem se abalança à profunda
beleza de Por volta da meia-noite (1986), sequer tem a espontaneidade
de filmar de Quando tudo começa (1999), o último
trabalho do cineasta exibido por aqui antes desta crônica
do colaboracionismo francês com os nazistas que é Passaporte
para a vida.
Como
habitualmente ocorre em Tavernier, a câmara está um
pouco solta, executando constantes e minimalistas movimentos,
que podem ser circulares, travellings labirínticos, panorâmicas
laterais, tudo costurado por uma fotografia sombria bem de acordo
com os tempos retratados em cena, os primeiros anos da II Guerra
Mundial na França. A reconstituição de época é tecnicamente
admirável, e Tavernier exercita sua magia de cineasta
para documentar aqueles dias obscuros. A questão do colaboracionismo
francês com o nazismo é vista a partir do ambiente
duma produtora alemã de filmes, a Continental, que emprega
gente de cinema francês, entre eles o diretor Jacques Tourneur,
uma personagem no filme de Tavernier; um assitente de Tourneur,
Jean Devraire, é o protagonista da história, e
por sua trajetória Tavernier busca dar seu testemunho
de uma época. É verdade que Tavernier é um
tanto quanto frouxo em sua investigação da cooperação
dos franceses com os nazistas; sem grande rigor histórico,
Tavernier coloca na boca de um produtor uma frase significativa: “Cinema é sonho,
e sonho não tem mapa-múndi”. Esta oração
tanto pode dar a dimensão da grandeza do cinema, quanto
de um perigoso escapismo estético, justificando todas
as aberrações. No caso do Tavernier deste filme,
a frase é uma e outra coisa.
Passaporte
para a vida nunca deixa de ser um belo filme, um pouco extenso é fato, carregando nos planos longos e contemplativos
(alguns notavelmente belos, como as primeiras andanças
de bicicleta de Jean). Distante da lucidez de Louis Malle em Lacombe
Lucien (1973), onde o colaboracionismo apresentava sua
verdadeira cara, a realização de Tavernier mesmo
assim vale a pena conhecer e em torno dela refletir sobre sua
verdade e seus limites.
Por Eron Fagundes
|