ROTEIRO INTRIGANTE
 

 

09 de abril de 2007

Em Pecados íntimos (2006) o realizador norte-americano Todd Field busca uma atmosfera pessoal de filmar onde uma surda estranheza está para explodir a qualquer momento. Aquilo que no filme anterior de Field visto por aqui, Entre quatro paredes (2001), se equilibrava com alguma dificuldade, porém mantinha o senso harmônico dos processos fílmicos, em Pecados íntimos se desmorona deixando à mostra as inconsistências narrativas do cineasta. São estas inconsistências que desestruturam certas situações de um roteiro intrigante: Sarah, a mulher adúltera que se relaciona com um homem que conhece na piscina aonde ela e este homem levam cada um seus filhos, se põe à sombra de Ema Bovary, tantas vezes visitada pelo cinema (os franceses Jean Renoir e Claude Chabrol, o português Manoel de Oliveira pela via indireta de um romance da lusitana Agustina Bessa-Luís); este contato do universo feminino do século XXI com o longínquo ser de Gustave Flaubert tem uma sessão de mulheres iluminadora em seus diálogos, mas não se sustenta com o andar das imagens que Field vai semeando em torno duma violência latente e elíptica que ao cabo se revela um ranger de choros da fragilidade humana.

Field usa a elipse sem a sutileza que experimentava em Entre quatro paredes. As elipses de Pecados íntimos são muitas vezes precárias e vazias, tornando o ritmo narrativo monótono, sonolento. Quando penso em narrativa misteriosa e elíptica, recorro a O espírito da colmeia (1973), do espanhol Victor Erice, modelo de precisão e sugestão no uso deste recurso narrativo; Pecados íntimos é uma tentativa mal-sucedida de revocar a elipse como fonte de estranheza.

Por Eron Fagundes

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