SE PELÉ É ETERNO, O FILME NEM TANTO
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05 de julho de 2004

Assim como ocorre em Cazuza, o tempo não pára (2004), de Sandra Werneck e Walter Carvalho, o documentário Pelé eterno (2004), dirigido por Aníbal Massaini Neto, produtor de alguns filmes de Walter Hugo Khouri, sobrevive durante seu espaço de projeção graças ao brilho de sua personagem central. O interesse do espectador vai depender exclusivamente de sua afinidade com o tema proposto: a revolução musical e sexual brasileira dos anos 70 na realização de Sandra e Walter, a trajetória de um futebolista excepcional na película de Massaini. Para quem se interessa pelos assuntos, tanto Cazuza quanto Pelé foram ícones de várias gerações; para muita gente é impossível ouvir falar deles sem se emocionar, e é com este trunfo que tais filmes contam.

Para as gerações de hoje, Pelé é uma lenda mítica, talvez uma irrealidade. Mas um documentário como Pelé eterno serve para lembrar que tudo aquilo de fato aconteceu; nossa memória evoca certas coisas que parecem nebulosa poética de tão mágica, porém, como observa o santista Rubens Ewald Filho, as coisas se passaram mesmo assim, pois ele, Ewald, estava lá e foi testemunha. Pelé eterno reforça o testemunho do crítico de cinema apaixonado por futebol.

De minha parte, a Copa do Mundo de Futebol de 1970 foi o Pelé mais concreto a que pude assistir, num obscuro bar do interior gaúcho que me oferecia as primeiras imagens televisivas ao vivo do esporte bretão. Ao ver (ou rever) o milésimo gol de Pelé em que a vítima foi o vilão Andrada, goleiro vascaíno, revoquei comigo as narrativas radiofônicas que, então menino, ouvi do Maracanã. Um dos gols de Pelé próximo do mil foi em Porto Alegre, num jogo contra o Grêmio; senti inveja dum colega de aula, mais abonado financeiramente, que naquele fim dos anos 60 se deslocou para a capital para ver Pelé jogar. Enfim, Pelé eterno, como Cazuza, o tempo não pára, vale muito pelas imagens que estão fora do filme, as coisas pessoais que determinada cena traz à tona; em Cazuza podemos pensar numa namorada maluquinha que tivemos, e que ali, naquela alegria louca, poderíamos ter pegado AIDS; em Pelé eterno queremos saber onde estávamos quando Pelé realizou este ou aquele lance.

Para o observador atento, Pelé eterno traz uma desmistificação: como escreveu um dia destes Paulo Roberto Falcão, ao contrário do que muitos das gerações atuais pensam, Pelé se destacaria mesmo no feroz futebol de hoje, mais ainda por ser feito (o futebol de hoje) por pernas-de-pau; observando bem, nota-se que as jogadas de Pelé, que sobressaem evidentemente por uma habilidade raríssima, não escondem dois outros elementos, força e velocidade, os quais passariam a desempenhar papel fundamental no futebol a partir da Copa do Mundo da Inglaterra em 1966.

Todos sabemos que Pelé eterno é excessivamente hagiográfico. E não repugna a seu texto (mesmo assinado por alguém tão criativo quanto Armando Nogueira) eivar-se de lugares-comuns. Mas que importa o pouco engenho cinematográfico de Massaini se a emoção do futebol de Pelé é irresistível?

Por Eron Fagundes