15 de novembro de 2007
People — histórias de Nova Iorque (The great wonderful; 2005), dirigido pelo norte-americano Danny Leiner, é um filme que surpreende porque alcança uma dimensão muitas vezes maior do que se estabelece em sua latente pretensão comercial, de ser um apanhado singelo das vidas americanas de classe média, melodramas clássicos cujo formato a existência dum peso dramático como o violento ataque terrorista árabe de 11 de setembro de 2001 acabou influenciando um pouco. Inicialmente, People em nada difere daquelas comédias doce-amargas que realizadores americanos como Paul Mazursky ou Hal Ashby rodavam nos anos 70 e 80; é verdade que Leiner multiplica as histórias, como num filme de Robert Altman, mas o espírito entre o amável e o crítico da realização está mais para as novelas fílmicas de Mazursky.
Mas, com o andar da carruagem cinematográfica, People se transforma numa outra coisa, secretamente determinada pelas evocações nunca referidas dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001. As histórias contadas em People se dão às vésperas da “comemoração” do aniversário de um ano do dia fatídico e vão fechar-se mesmo a 11 de setembro de 2002. Esta outra coisa, carregada por um 11 de setembro que nunca vislumbramos senão como névoa, é uma afeição ao banal das vidas humanas que muitas vezes o cinema americano despreza em função de uma fantasia que se perde nos trilhos. Aos poucos o doce-amargo classe média e americano inicial vai repousando num olhar percucientemente direto nas personagens nova-iorquinas. É claro que há uma pequena pasteurização da imagem que nunca seria filmada por Ozu. Mas é um pequeno detalhe que não deslustra a notável capacidade de observação do filme. De Ozu, para não dizerem que estou exagerando, há inclusive a indefectível cena de um trem que passa num plano americano.
Partindo da extraordinária estruturação do roteiro a que se entregou o dramaturgo Sam Catlin, completando-se numa afinação de elenco poucas vezes vista no cinema americano, tudo montado para uma imagem de extrema precisão, People é um dos destaques da atual temporada de cinema e um repositório de criaturas densamente humanas: a confeiteira capitalista vivida por Maggie Gyllenhall, a velha que divide seu entediado tempo entre os recortes de paisagens turísticas e os rotineiros serviços domésticos para seu enfadonho marido (Olympia Dukakis, maravilhosa), o dueto psicólogo-paciente interpretado com sutileza enviesada por Tony Shalhoud e Jim Guffigan, um crítico casal (Judy Greer e Tom McCarthy) que está às voltas com um filho de 10 anos violento e obeso. Num determinado momento, algumas das personagens da narrativa se encontram dentro de um elevador, momento que a câmara de Leiner prolonga meio acidamente. Dizem quer o 11 de setembro teria alterado a perspectiva espetáculo-realidade nos conceitos do audiovisual; People parece dizer o tempo todo que o cotidiano de nossas vidas não se alterou muito.
Por
Eron Fagundes