18 de novembro de 2007
Como sucedeu a Erik Rocha, que evocou num documentário, Rocha que voa (2002), a figura de seu pai, Glauber Rocha, famoso cineasta brasileiro, Marina Person, filha de outro fundamental realizador do país, Luiz Sérgio Person, estabelece outro contato cinematográfico-paterno no documentário Person (2006), que é ao mesmo tempo uma prestação de contas afetiva e uma busca tão clara quanto objetiva de situar a importância cultural de Person entre nós.
Luiz Sérgio Person, diretor da obra-prima São Paulo S.A. (1964), faleceu aos 39 anos, em 1976, num acidente automobilístico. Se no filme de Erik sobressai a turbulência estética de Glauber, o de Marina retrata a figura humana do artista, em parte facilitada pelas heranças ressellinianas (humanistas) de Person; como revela o documentário, o roteiro de São Paulo S.A. foi escrito no exílio romano do início dos anos 60, enquanto o futuro cineasta fazia seus estudos de cinema, à sombra peninsular de Roberto Rossellini.
Os aspectos multifacetados de Person como diretor de cinema são bem apanhados pelo documentário de sua filha. Person transita da intimidade com um intelectual como o crítico Jean-Claude Bernardet para a aproximação do cineasta de horror mais caipira José Mojica Marins; os depoimentos de Bernardet e de Mojica, entrecruzando-se no documentário Person, ligam os pólos díspares e contraditórios do grande cineasta, que é um universo de cinema tão vasto e livre quanto o de Rossellini. Os problemas de um artista brasileiro na crise social e política dos anos 60 são bem marcados pelos depoimentos, inclusive uma entrevista de Person na época. Depois de dois rigorosos exercícios estéticos e sociais (São Paulo S.A., 1964; O caso dos irmãos Naves, 1967), Person tentou mendigar (tinha família para sustentar) no cinema publicitário e variou para alguns projetos mais descontraídos e comerciais (um destes projetos, um filme com Roberto Carlos, que seria feito para financiar os irmãos Naves, não se concretizou por desavenças com o astro; os outros foram um episódio para a trilogia do terror de seu amigo Mojica, e divagações de facilidade cômica, meio chanchada como Panca de valente, 1968, e Cassy Jones, o magnífico sedutor, 1972). Enfim, o que se apresenta em Person é um Person variado e para todos os gostos, desde uma referência a Mário de Andrade (elaboração histórico-intelectual) até a extrema valorização do Zé do Caixão.
“Mil vezes recomeçar. Recomeçar de novo. Recomeçar sempre. Esquecer Ana. Apagar Luciana. Lembrar-se das cinqüenta obrigações diárias do trabalho.”
Estas frases de Carlos em São Paulo S.A. são evocadas por Marina Person em seu documentário quando lembra a sempre presente necessidade de recomeçar, não somente porque uma pessoa morreu, mas recomeçar sempre a partir de cada coisa que fazemos. A morte do pai de Marina, quando ela era muito pequena, a marcou para sempre: a morte sempre pesa, sempre dói, não há como ser diferente, não há como superar a morte (a perda), lembra Marina; o que fazemos é aprender a conviver com a morte (a perda) para que esta morte (esta perda) não destrua nosso cotidiano. Marina tentou superar a morte (a perda) com seu documentário. Sabe que, em seu íntimo, é uma batalha perdida. Mas que ajuda a conviver com a morte (a perda), ajuda. Um cinema terapêutico para ela e emocionante para os espectadores.
Por
Eron Fagundes