23
de maio de 2007
Praticando
certos aspectos da sobrevivência do realismo
semidocumental no cinema como em Camelos
também
choram (2003), de Byanbassuren Davaa e Luigi
Falormi, misturando a este captar da verdade cotidiana
certa
experimentação que nasce do interior
da imagem como no delirante O estado do cão (1998),
de Peter Brosens e Dorjhandyn Turmunk, Ping-pong
da Mongólia (Lü cao di; 2005),
dirigido por Ning Hao, é uma nova amostra
desta linguagem contemplativa, debruçada lentamente
sobre os gestos comuns das pessoas, interiorizada
numa
fotografia cuja plasticidade parece colada na realidade
do deserto mongol, e cujo padrão estético
só poderia mesmo ser concebido naquelas inusitadas
bandas.
Em
boa parte de sua narrativa, a crônica de aldeia pretendida por Ping-pong
da Mongólia funciona bem, preenche a necessidade do espectador ansioso
de novidade e viciado pelo olhar comum ditado pelo cinema americano e mais comercial;
os garotos que se afastam de suas casas e, movidos pela genética nômade
daquele povo, pretendem chegar a Pequim, o sonhado centro urbano (o urbanismo
no deserto é precário: uma televisão mal sintonizada numa
partida de ping-pong, uma precária projeção de um filme
para algazarra da gurizada), mas na verdade se perdem no cru deserto da Mongólia.
Hao filma com sensibilidade e beleza este vagar longínquo de garotos orientais.
Os problemas, maiores ou menores conforme a avaliação do observador,
surgem quando a tensão formal de episódios que se soltam facilmente,
se torna dispersiva, vagueante, mas não o vagueante dum Wender Herzog
em Fata Morgana (1971), pois o realismo cênico do filme mongol se aproxima
em intenções do neo-realismo tardio dos anos 70, mas sem a unidade
rítmica de, por exemplo, A árvore dos tamancos (1978), do italiano
Ermano Olmi, também feito de fatos soltos como galhos de uma árvore,
mas a árvore em Olmi tem muito mais consistência que a que vemos
em Ping-pong da Mongólia.
Faço estes breves reparos a um belo filme mais como uma contribuição
a ume reflexão e inquietação contida na linguagem do filme;
pode ser também que Ping-pong na Mongólia tenha uma proposta estilística
avançada e aqueles defeitos de desestruturação e possível
monotonia de seqüências venham a ser tidos por características
formais. É nesta dialética que navega a narrativa do filme.
Por
Eron Fagundes