A AVENTURA HOJE
 

 

15 de agosto de 2006

De maneira menos submissa que A profecia (2006), de John Moore, e Poseidon (2006), de Bryan Singer, Piratas do Caribe 2: o baú da morte (Pirates of the Caribbean: dead man’s chest; 2006), dirigido por outro especialista da ação mais rasteira em cinema, o norte-americano Gore Verbinski, presta tributo às clássicas formas narrativas do cinema de grande aventura onde a correria (das personagens, da imagem e dos cortes na montagem) são mesmo para colocar entre o espectador e o filme uma catarata que se aloja no próprio cérebro. Algumas cenas retumbantes deste Piratas evocam as estripulias que o norte-americano Steven Spielberg executou em Os caçadores da arca perdida (1981) e que causou grande celeuma no início da década de 80; é bem verdade que Johnny Depp, embora melhor ator, não tem o carisma popular de Harrison Ford; e a desavergonhada montagem do filme de Verbinski está longe da familiar limpeza de linhas de Spielberg; e é por aí talvez que Piratas, apesar de se alinhar na infantilidade geral daquilo que alguns consideram como o protótipo do cinema de aventura (nos anos 80 um crítico gaúcho chegou a evocar a longínqua literatura do grego Homero para justificar diretores como Spielberg, caindo num paradoxo: defendendo-se uma linguagem específica para o cinema, vai-se buscar em artes velhas como a literatura ou a pintura os paradigmas, Homero para Spielberg, André Bazin explicava a grandeza do cinema do dinamarquês Carl Theodor Dreyer por referências a equivalências pictóricas ou musicais ou literárias: quanta submissão!), eu dizia que Piratas, a despeito da boçalidade a que se filia, foge (pelo intérprete, pela montagem mais suja) ao pastiche colado duma nulidade como A profecia.

Mas, por favor, o fato de ser uma retomada de fórmulas antigas sem ser um pastiche integral não autoriza que se possa dizer tratar-se de um espetáculo que sirva ao menos como entretenimento para mentes um pouco adiante da adolescência tola que corre aos cinemas com saco de pipocas e a lata de coca-cola, deixando a inteligência em qualquer recanto dos bancos escolares.

Todos sabemos: Piratas do Caribe 2 vai deixar milionários (ou mais do que alguns já estão) os envolvidos em sua produção. Fizeram o primeiro filme e este longo segundo filme é um trampolim para o terceiro filme, rodado simultaneamente com o segundo e que deve pintar nas telas no ano que vem. Este segundo filme na verdade não termina: deixou a história suspensa em seu clímax: o final de Piratas do Caribe 2 é um autêntico e descarado chamado para a terceira película da trilogia, um descaramento a que Hollywood chega depois de anos dum terrível monopólio da exibição cinematográfica. Não sou contra, como pode parecer, a esperteza industrial, no cinema e fora do cinema; mas reservo-me o direito, como qualquer espectador, de dar o testemunho de minha visão fílmica, que não consegue interessar-se pela babaquice de Jack Sparrow e pelos ridículos a que o ator impressionante de O libertino (2005), de Lawrence Dunmore, é obrigado a atravessar para amealhar sua independência financeira.

Por Eron Fagundes

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