15 de novembro de 2007
Há, é claro, um agudo parentesco estético e temático entre os cinemas dos norte-americanos Robert Rodriguez e Quentin Tarantino. Isto nasce, antes de mais nada, das idênticas origens de interesses artísticos, humanos ou cinematográficos dos dois indivíduos. As referências da formação cultural de Rodriguez e Tarantino são as mesmas: ambos são delirantes apaixonados pela cultura suja do século XX, a subliteratura policial, o subcinema de horror, os mais obscuros eventos do visual repulsivo e escrachado são catados tanto por Rodriguez quanto por Tarantino. Amigos, parceiros, é verdade, mas quem curte cinema sabe que vai uma distância muito grande entre a forma como Tarantino organiza estes elementos de “náusea do submundo” e os descalabros fílmicos que Rodriguez tem entregue ao espectador. Se repusermos na memória, lado a lado, a experiência de desfrutar de Tarantino (Jackie Brown, 1997; Kill Bill, 2003) e o suplício de agüentar as narrativas de Rodriguez (Um drink no inferno, 1996; Prova final, 1998), este abismo entre os dois se aclara.
Muitas vezes os dois se unem em alguns projetos cinematográficos. Um drink no inferno, de Rodriguez, foi roteirizado por Tarantino e contou até com a interpretação do cineasta de Jackie Brown como um dos criminosos. O que diferencia um Tarantino de um Rodriguez é a direção: o que Tarantino faz com os elementos usados por seu mano sem engenho.
Agora, eles se unem no projeto Grindhouse, com um filme dois-em-um, um filme de Rodriguez e outro de Tarantino para formar um único filme numa exibição em seqüência. Comercialmente não deu certo e os filmes passaram a ter exibições separadas. Infelizmente, pois seria bom comparar mais de perto. Planeta terror (Planet terror; 2007), de Rodriguez, é o primeiro que aporta por aqui.
Utilizando em profusão na linguagem defeitos de produção ou projeção (riscos na imagem, como aqueles que víamos em filmes antigos cujas cópias foram muito exibidas; rolo que se some na projeção, ficando a história ainda mais desgarrada; celulóide que se queima, como ocorre também no refinadíssimo Persona, 1966, do sueco Ingmar Bergman; imagem que treme, narrativa que se descose facilmente, ritmo desatento, fotografia disforme, um clima ali entre o desleixo e o experimental), Rodriguez roda na verdade um pastiche pastoso dos filmes de zumbis inventados pelo norte-americano George A. Romero. Esquisitice enfadonha (o grande público de hoje, não tão aficcionado do horror quanto as platéias comerciais das décadas de 70 e 80, tem seus motivos para se aborrecer com a película), Planeta terror não chega a ser tão deformado quanto Um drink no inferno e Prova final, duas peças absolutas da grossura cinematográfica entre as mais detestáveis da história do cinema; é certo que Rodriguez faz filmes para atemorizar o observador (em todos os sentidos do verbo atemorizar), mas deve certamente atrair os curtidores da carga tóxica que o cineasta incrusta em suas demências; pode-se dizer que Tarantino faz o mesmo, ele é tão fora de órbita quanto Rodriguez, mas seu cinema é superior, ele navega com absoluta grandeza no monturo de seus assuntos. O jeito é esperar pelo Tarantino constante deste projeto, torcendo para que ele não se tenha deixado intoxicar pelo ridículo a que Rodriguez constantemente se submete.
Por
Eron Fagundes