HÁ VIDA EM HOLLYWOOD
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24 de maio de 2003

Quando Hollywood há muito tempo já tem dado sinais de esgotamento, eis o espectador diante dum filme de suspense novo e provocativo, no qual se pode apostar algumas fichas. Por um fio (Phone booth; 2002), de Joel Schumacher, é antes de mais nada uma narrativa curta e enxuta, com seus escassos oitenta e um minutos para uma época em que os filmes se aproximam perigosamente de duas horas de projeção, surgindo muitas vezes cenas dispensáveis nas películas de hoje; daí a impressão (grande novidade) de filme célere em seus objetivos que vem da visão de Por um fio, não há imagem que poderia ficar na mesa de montagem, tudo tem uma função no filme, a fita é como um corredor que baixa a cabeça e vai direto ao ponto.

Schumacher não é propriamente um autor cinematográfico. Mas aqui ele se supera e surpreende. Ele começa seu filme com um narrador-over que lança dados sobre o uso de telefones pelos americanos: parece que o que vamos ver é um documentário. Mas logo a ficção invade terrivelmente o espaço. Aprisionar seu protagonista amedrontado numa cabine telefônica sob a mira dum maníaco assassino é um dado claustrofóbico; mas o realizador vai adiante em seus arrojos –sem perder o pique do espetáculo, chega a dividir a tela em quadros mostrando cenas simultâneas, o que é uma ousadia inesperada para uma produção de Hollywood.

Mas Schumacher não esgota sua realização na capacidade de manter a tensão do espectador, embora ele o faça com mestria. Por um fio metaforiza a questão da manipulação da realidade pela mídia. O protagonista é um agente de atrizes, um homem da mídia que manipula tudo e a todos; a voz telefônica que o aterroriza inverte o jogo: ele é manipulado e vê sua vida tão devassada como as daquelas pessoas que, para o prazer de seu egoísmo profissional, ele adultera e expõe.

Pode-se repudiar ao filme aquele inevitável moralismo final tipicamente hollywoodiano: a personagem deve converter-se num homem honesto para que a voz não volte a ligar. Mas, como nem tudo é perfeito em Hollywood, fiquemos com a parte notável de Por um fio: certos aspectos contemporâneos que explicam as neuroses do anonimato e da excessiva exposição íntima, dois tópicos que a mídia sabe usar nos indivíduos para deixá-los na situação acuada do protagonista. No fundo, estamos todos numa cabine telefônica obedecendo a ordens invisíveis e somos espectadores uns dos outros.

Por Eron Fagundes