10 de julho de 2012
Porto dos mortos (2011) foi um parto doloroso para seu diretor, o gaúcho Davi de Oliveira Pinheiro. Filmado entre Porto Alegre e Viamão ao longo de vinte e dois dias, a realização cinematográfica tardou dois anos em ser finalizada e chegar ao conhecimento do público. Percorrendo os circuitos alternativos ou de festivais no Brasil e no exterior, o filme tem padecido quase sempre da incompreensão geral. Quando alguém, na internet, descreveu a narrativa como lenta e praticamente sem ação, um outro interveio dizendo que não era isto que esperava de uma obra de Davi. Os que privam com Davi e os que leem o que ele anota em diversos blogs e e-mails por aí imaginam um cara que detenha o poder do apelo popular do cinema. Na verdade, este é um lado de Davi que não tem sobressaído nos filmes que rodou; talvez sua ideia inicial como cineasta fosse a de um artista popular, mais facilmente digerível, algo para agradar às massas; talvez o ponto inicial de Porto dos mortos fosse uma ação de zumbis em Porto Alegre que invadisse os corpos dos espectadores hipnotizados; mas entre esta sensação primeira e aquilo em que se transformou Porto dos mortos vai uma distância de anos-luz.
Para o prazer deste comentarista, ainda bem que assim seja. Em Porto dos mortos os zumbis saem do primeiro plano para planos muito secundários; as figuras dos zumbis são iconográficas na imagem de Pinheiro, quase sub-signos da linguagem cinematográfica. O plano de Porto dos mortos é sempre elaboradíssimo, e esta exaustiva elaboração formal causa a contemplatividade que pode afastar o grande público a que aspira Davi. Se a projeção do argumento inicial de Porto dos mortos foi recriar em Porto Alegre zumbis à maneira do americano George A. Romero, a coisa toda se transformou numa costura cinematográfica de alta reflexão (não é por acaso que o filósofo alemão Nietzsche é sintomática e humoristicamente citada na abertura do filme), onde a profundidade estética parece ser sempre buscada: ora estamos diante da brutalidade estilística de Sérgio Leone, ora vemos planos de intensa beleza que remetem ao americano Terrence Malick (como aquele plano com o sol no fundo da imagem), mas as coisas são ajeitadas à maneira de Davi de Oliveira Pinheiro, sem os plágios costumeiros num certo cinema comercial que, paradoxalmente, Davi às vezes tanto ama (daí alguns dizerem de Porto dos mortos: não era este o filme que se esperava de Davi...).
Muita gente se perdeu nos labirintos de roteiro engendrados opor Davi de maneira muitas vezes tortuosa. Não viram o filme de horror buscado habitualmente. Não toparam com as ações de estrada ensaiadas mas não concretizadas pelas tensões estéticas da narrativa. Um filme curiosamente à margem daquilo que seu universo cinematográfico circula: à margem do sangue excessivo, da agressividade excessiva que está despudoradamente dentro da imagem. Há aí um pouco de Glauber Rocha. E também de José Mojica Marins. Quer dizer: atrevimentos amadorísticos inventivos. No centro da não-trama, um policial leonesco (este adjetivo nasce das características do cinema do italiano Sérgio Leone, um dos merecidos e pulsantes mestres de Pinheiro) vivido por Rafael Tombini atropela as facilidades desejadas pelo observador. É tudo adrede truncado, majestosamente montado na articulação dos planos (alguns rápidos e em sequência, outros esticados). Em todos os sentidos, uma obra rara dentro do cinema brasileiro. E inevitavelmente incompreendida pela maioria que espera conforto numa sala de cinema.
Por
Eron Fagundes