RETORNO AOS ANOS 70
 

 

26 de julho de 2006

ASe A profecia (2006), de John Moore, era somente uma cópia da matriz da década de 70 que o gerou, Poseidon (2006), dirigido pelo alemão Wolfgang Petersen, se esforça por fugir a uma imitação exterior da história do filme que o inspirou, igualmente uma produção dos anos 70. O filme de horror (A profecia) e o filme-catástrofe (Poseidon) são dois gêneros cinematográficos vistos com um certo desdém pela crítica de três décadas atrás e hoje, um tempo mais liberado e menos politizado e mais interessado na fantasia desenfreada, são apontados como momentos clássicos do cinema; é meio engraçado, mas, ao ver os subprodutos do gênero neste princípio de milênio e repescar na memória os significados das películas antigas na formação cinematográfica, constatamos que o cinema regrediu brutalmente para sua visão de infância: resta saber para onde isto vai levar a sétima arte.

O cinema-desastre (ou catástrofe) foi um momento típico dos anos 70, de que o diretor Irvin Allen foi um porta-voz característico, especialmente com seu Inferno na torre (1974). O que se via em cena, pedaços de ação cuja significação para além da pura ação não existia, era um desastrada bagunça visual e estética: um pastelão sem humor, uma pancadaria que funcionava como tensão só para as mentes tacanhas (ou a parte tacanha das mentes de todos nós, inclusive as que se sofisticam com refinadas teorias artísticas). De certa maneira, elaboradas antecipações dos grandes planos abertos e montagens alucinadas das narrativas-catástrofe se podem ver em clássicos tão remotos quanto Intolerância (1916; os incêndios em Babilônia) e Metrópolis (1926; as inundações da cidade).
O atual Poseidon pode não copiar ipsis literis os aspectos exteriores de sua matriz. Mas reconstitui, sem pudores, as primárias emoções de todo o cinema-catástrofe da época. Como se vê, o público dos cinemas não evoluiu nada: permanece interessado na superfície da imagem. Outro dado nostálgico de Poseidon é a aparição de Richard Dreyfuss entre os sobreviventes do naufrágio; Dreyfuss é um ator tipicamente do decênio de 70, continua imutável e meio enfarado em seu jeito de interpretação.

Obra maciçamente medíocre em seus conceitos de cinema, Poseidon preenche a necessidade da indústria de grandiloqüência e bilheteria. É um mal necessário: precisava mesmo ser ressuscitado de hoje. Faz parte das catástrofes (humanas e cinematográficas) que vieram no encalço daquelas imagens (catastróficas) dos arranha-céus desabando em chamas em Nova Iorque na manhã de 11 de setembro de 2001. Nossa época merece Poseidon.

Por Eron Fagundes

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