SOB O SIGNO DA AUSÊNCIA
 

 

19 de março de 2007

As habilidades de documentarista do realizador brasileiro João Jardim tornam a ser topadas em Pro dia nascer feliz (2006), um ponto luminoso na precária consciência cinematográfica brasileira atual; em Janela da alma (2002), co-dirigido pelo fotógrafo Walter Carvalho, Jardim já fora extremamente feliz em reunir na montagem as mais disparatadas vozes (depoimentos) visando a um significado crítico-narrativo, em seu novo filme o cineasta logra unir os anseios e os problemas do sistema educacional do país cruzando colégios de regiões distantes e fundindo questões que vão desde o universo dos alunos da miserável cidadezinha do Nordeste até as sofisticadas preocupações dos filhos da burguesia que estudam numa escola de Alto Pinheiros, em São Paulo. Pro dia nascer feliz nunca é dispersivo ou vago, como poderia ser se um diretor menos hábil buscasse montar suas diferentes vozes narrativas; Jardim evita o ranço do documentário naturalista, como já o fizera em Janela da alma, graças ao domínio de um senso cinematográfico que lhe permite uma difícil e suada unidade rítmica.

Pro dia nascer feliz começa sob o signo da ausência. No prólogo da realização Jardim enxerta um velho documentário do começo dos anos 60, onde o locutor, diante das imagens dos problemáticos adolescentes, lê um texto sobre a realidade escolar e a ausência do Estado no panorama do ensino, gerando as distorções sociais. Pulando mais de quarenta anos, o filme de Jardim observa que as coisas não mudaram: há um colorido diferente e mais grave nos problemas, mas a essência da questão está inalterada. Logo no início do filme, uma garota nordestina lê um poema de Vinicius de Moraes que trata da ausência. É sintomático. Os versos de Vinicius servem como símbolo introdutório para o que o filme quer dizer: a ausência do Estado é que gera a precariedade escolar e social mostrada pela câmara implacável de Jardim.

Como o documentário expõe uma unidade entre disparidades nacionais, é bom observar as aproximações e os afastamentos entre os dois depoimentos que mais me impressionaram. Uma garota pobre, no interior de Pernambuco, escreve poesias e revela que só consegue escrever quando está triste: é a tristeza que decodifica seu pensamento. Uma garota burguesa, num bairro nobre de São Paulo, extravasa sua inquietação existencial, suas preocupações com a finitude do ser, sua identificação com uma professora de filosofia que fala também da necessidade da tristeza. Pois não é mesmo, como diz uma discussão de estudantes dentro do filme, que o ser humano é igual e diferente em todas as latitudes? Pode a forme tornar-nos iguais e diferentes?

Por Eron Fagundes

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