UM CINEMA SUTIL E PENSADO
 

 

28 de fevereiro de 2008

Entre nós, costuma ocorrer que a imposição estética de um filme é feita por gritos e bravatas. Uma narrativa como a de Proibido proibir (2006), do chileno radicado no Brasil Jorge Durán, se opõe a tudo isto: tem a leveza de uma crônica social, trata de sentimentos pessoais dentro da miséria brasileira mas sempre com um jeito pensado, se impõe ao espectador de dentro para fora e não por explosões epidérmicas. Se no filme anterior de Durán, feito vinte anos antes, A cor do seu destino (1986), as intuições sócio-políticas do realizador se esfarelavam um pouco numa direção tão suave quanto frouxa, em Proibido proibir a maturidade de seu estilo de filmar transforma a narrativa vagarosa num filme agudo, sem concessões quer ao sentimentalismo fácil, quer às visões sociais estereotipadas. O público, desacostumado do ritmo narrativo (lento, documental) trazido por Durán, deve estranhar o universo do filme, mesmo que este universo seja conhecido de todos os brasileiros, e a maioria da platéia vai ignorar o filme; mas, vencida a barreira de linguagem, a realização vai apaixonar os que resistirem. É uma autêntica reportagem social sob a forma de ficção: não é uma denúncia, é uma observação acurada.

Em A cor do seu destino Duran misturava o Chile com o Brasil na pele de seu protagonista, um jovem filho de um chileno e de uma mãe brasileira; as lembranças chilenas da personagem se misturavam à sua realidade brasileira. Em Proibido proibir, a despeito de ser produzido por chilenos e brasileiros, o cineasta trata somente do Brasil: um Rio de Janeiro suburbano, obscuro, violento, preconceituoso é o cenário temático do filme de Durán.

Inicialmente ambientado entre universitários (o trio central vai gerar um triângulo amoroso que não se consuma: um estudante de medicina, seu amigo negro que estuda Sociologia e a namorada deste (estudante de arquitetura) que acaba atraindo e sendo atraída pelo amigo de seu namorado. O futuro médico conhece no hospital uma paciente negra com leucemia terminal e este conhecimento vai jogar a ele e a seus amigos no rastro de criaturas marginalizadas da sociedade brasileira, levando a câmara de Durán a documentar a incômoda realidade nacional. O realizador joga muito bem com estes universos cambiantes: as inquietações afetivas de suas personagens de classe média, estas inquietações transpassadas pelas vivências na sociedade, as escusas e obscuras verdades da periferia (como o preconceito racial e a ação da polícia). No fim, unidos por seus dilemas e por seus sofrimentos, o destino das três personagens vai parecer tão ou mais incerto do que no começo; mais incerto, creio, pois suas certezas da faculdade se esboroam diante da força duma ação policial brutal instituída que torna os indivíduos frágeis presas do sistema.

Os intérpretes centrais defendem com bravura seus papéis. Caio Blat é o nome mais conhecido do elenco, por sua atividade no cinema e na televisão. Maria Flor, filha do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, estreou no cinema em O diabo a quatro (2004), de Alice De Andrade, onde vivia uma babá ingênua hesitante também entre dois homens, um cafetão e um playboy. Alexandre Rodrigues foi o moleque Buscapé de Cidade de Deus (2002), de Fernando Meireles.

Por Eron Fagundes

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