O GÊNIO À AMERICANA
 

 

30 de agosto de 2006

Minha teoria é de que o cinema americano habitual não sabe penetrar naquelas parcelas ocultas do gênio; as formas narrativas de que usam são superficiais demais para exibir a turbulência do homem de exceção. A prova (Proof; 2005), de John Madden, chega mais perto de expor com senso cinematográfico a questão do gênio; se Uma mente brilhante (2001), de Ron Howard, que igualmente punha em cena um cérebro matemático que se esfacelava na velhice, e Capote (2005), de Bennet Miller, tratando da gestação dum romance por um grande escritor, falhavam em sua transposição cinematográfica, Madden logra inquietar mais do que estas realizações, propondo uma difícil e complicada aliança entre a loucura e a genialidade nos seres humanos; é claro que Madden lá pelas tantas evita arriscar-se e dá meia volta quando seu filme se aproxima de caminhos mais perigosos, ele nunca deixa de ser americanamente superficial.

Um dos trunfos do cineasta é o elenco. A estrela Gwyneth Paltrow como a filha do matemático, herdeira de seu saber e de seu tresvario, está controladíssima em cena: é um rigor de direção de ator exemplar. Jake Gullenhall aparece muito bem para entremostrar a perplexidade dum jovem aprendiz de matemático entre a sombra do falecido professor e a sedução física que despenca sobre ele ante a figura da filha do gênio. Anthony Hopkins, uma fantasmagoria soberba como o matemático genial, está perfeito. Hope Davis como a irmã da filha preferida valoriza seus tiques interpretativos para a composição da personagem, o que cai extraordinariamente bem.

Na análise da vampirização da personalidade da filha sobre a personalidade do pai, A prova tem sua dose de poesia e metafísica; mas está longe da complexidade estética e profundidade psicológica duma obra-prima como Elisa, vida minha (1977), do espanhol Carlos Saura, onde a filha vivida por Geraldine Chaplin usurpava a alma de seu pai interpretado por Fernando Rey quando este morre e ela tem de substituir o pai, um professor, diante dos pequenos alunos.

Se o filme brasileiro Anjos do sol propunha a visão do círculo de miséria, sufocante e claustrofóbico, especialmente naquele plano final da grotinha à porta dum caminhão pedindo carona, A prova gira em torno de outro círculo: o círculo das indefinições da inteligência, açulado pela existência dum misterioso trabalho de matemática cuja autoria tanto pode ser da filha como do pai, ou de ambos, ou mais complexamente duma metamorfose da filha no pai.

Por Eron Fagundes

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