28 de fevereiro de 2008
A afeição do cinema francês pelo cotidiano sentimental está bem presente em A quase verdade (La vérité ou presque; 2007), dirigido por Sam Karman. As seqüências familiares ou com as pessoas jogando confidências fora se acumulam ao longo do filme, dando-lhe uma aparência de que não quer nada; talvez a mais tocante, pela profundidade das emoções, seja aquela em que o grande ator André Dussolier (que vive um homossexual) contracena com a igualmente sensível Karin Viard (eles estão jantando na casa dele, ilhados por uma tempestade; comem e trocam entre si suas questões sentimentais; ela é apresentadora de televisão em crise profissional e pessoal, com seu casamento à deriva e a intromissão perturbadora de seu ex-marido). Mas, fora esta cena, A quase verdade é bastante aborrecido em sua documentação da vida de classe média na França; tudo parece aqui e ali vazio truncado em sua aproximação ao cotidiano; excessos de singeleza com a qual o público francês possa eventualmente ter melhor contato .
Ocorre que A quase verdade tenta imprimir aspectos diferenciados e mais transcendentes a esta crônica intimista e morna. Estes aspectos nasceriam de dar à estrutura do filme a sombra de um falso documentário criando uma personagem-mito como se fosse uma pessoa real. O filme abre com seqüências em preto-e-branco desta personagem como se fosse uma peça de arquivo visual. Esta criatura é Pauline Anderton, possível jazzista francesa dada como morta em 1970 num acidente de carro mas que na verdade teria sobrevivido e só foi morrer, velhinha, em 2006. Os letreiros finais aduzem esta falsa realidade embutida na ficção. Woody Allen fez isto com melhores resultados em Zelig (1983), sua obra-prima, e Poucas e boas (1999). Karman, que também interpreta o marido aborrecidíssimo da personagem de Karin Viard, dirige estas questões com uma burocracia de filmar freqüentemente constrangedora.
Por
Eron Fagundes