10 de outubro de 2007
Como muitos cineastas franceses (François Truffaut entre eles), o diretor Christian Vincent quer aproximar-se do cinema americano, mas felizmente permanece forte em sua identidade nacional. Quatro estrelas (Quatre étoiles; 2006) busca aqui e ali uma comicidade mais fácil que o torna menos agudo que em A separação (1994), um dos filmes anteriores de Vincent onde tudo era arraigadamente francês; mas, ainda assim, dentro do relativo fracasso de suas intenções, Quatro estrelas exibe uma sutileza tipicamente francesa que evita, na ponta do fio, que a narrativa possa cair na vulgaridade incômoda de Eu os declaro marido e Larry (2007), do norte-americano Dennis Dugan.
Esta sutileza não tem uma manifestação muito forte em Quatro estrelas, que se torna por isso um espetáculo amorfo, geralmente sem seiva, um esguio lampejo da arte cinematográfica de França. Mas é bom observar como o cinema francês, mesmo quando erra a mão, foge a uma certa grosseria americana, que Vincent quer namorar mas não chega lá (como ocorre com o pretendente milionário mas sem jeito que se acerca da personagem de Isabelle Carré). A suavidade da imagem francesa é um dado: ela pode às vezes ser monótona, como em muitos momentos deste filme de Vincent, mas nunca perde sua origem aristocrática. E o modelo de interpretação de França está cheio de medidas e entrelinhas: José García e Isabelle, em seu aparente desleixo, têm uma nobreza que choca a quem viu há pouco o que Adam Sandler e Kevin James são capazes de fazer no citado filme de Dugan.
Quatro estrelas não me parece que lembre filme americano algum, apesar dos esforços do realizador neste sentido. Antes me evocou certos climas fílmicos que o francês Jacques Démy erigiu em A baía dos anjos (1962), também ambientado na Riviera francesa e também voltado para a itinerância dum casal de vigaristas franceses. É claro que Vincent está longe da tensão visual de Démy. Também é verdade que o humor da narrativa de Vincent, pretensamente americano, é muito mais um herdeiro da ironia de Jean Renoir, talvez o maior dos cineastas franceses e que em A regra do jogo (1939) rodou a mais extraordinária comédia social da história do cinema.
Quatro estrelas não é o filme que se esperava do autor duma obra tão moderna quanto A separação, que inclusive fazia referência a Europa 51 (1952), o dilacerante testemunho das crises pessoais no pós-guerra perpetrado pelo italiano Roberto Rossellini. Desinteressante e vazio na maior parte de sua metragem, o novo trabalho de Christian Vincent é hesitante em suas pretensões duma comicidade que, sem perder a pose sutil, pudesse chegar mais facilmente ao público.
Por
Eron Fagundes