15 de agosto de 2006
O espanhol Pedro Almodóvar tardou em adquirir fama e ganhar passe livre nos circuitos internacionais. Isto aconteceu com outros realizadores europeus, entre eles o alemão Rainer Werner Fassbinder, que encontra parentesco em certos aspectos de Almodóvar, como o homossexualismo (que é determinante na estética de um e de outro), o apreço por um certo desarticulado gosto dramático, a função de paródia e grotesco de certos elementos do melodrama em suas narrativas. Assim, boa parte dos filmes iniciais de Almodóvar (como os de Fassbinder) permaneceram à margem das exibições comerciais, merecendo um ou outro uma esquiva aparição em circuito alternativo; é o caso de Que fiz eu para merecer isto? (Que he hecho yo para merecer esto?; 1984), que há sete anos pintou em Porto Alegre numa pequena mostra e agora chega à distribuição normal de cinema no Brasil. Ainda bem, ainda que tarde: é um dos trabalhos mais fortes do cineasta e mostra os resultados, entre bárbaros e esquisitos, da associação entre o estilo do diretor e as formas interpretativas de sua musa Carmen Maura, uma associação que estava em seus começos.
Embora o corpo do roteiro faça referência à obra-prima Clamor do sexo (1961), do norte-americano Elia Kazan (aparece o som dos diálogos do filme de Kazan sobre uma imagem de personagens de Almodóvar assistindo ao filme de Kazan dentro do cinema, depois um plano exterior enquadrando o frontispício da sala de exibição onde vemos o título do filme que estava sendo exibido), a origem de Almodóvar é mesmo uma atualização pós-moderna, mais tresloucada do universo de outro espanhol ilustre, o diretor Luis Buñuel; aquela sogra grotesca e o lagarto a que a velha mulher se afeiçoa têm o clima destes divertimentos intermediários sobre o olhar e o acompanhamento dramático que Buñuel executava como ninguém. Almodóvar é um discípulo atento mas original: a sexualidade exultante de seu filme justifica a citação de Clamor do sexo; mas é uma sexualidade mais torta, mais circense, menos sujeita à psicanálise da câmara.
Por
Eron Fagundes