31
de maio de 2005
Somos
educados pelo bem-feito de Hollywood, e uma forma desglamurizada
de filmar e interpretar como esta de A queda – os últimos
dias de Hitler (Der untergang; 2004), de Oliver Hirschbiegel, é equivocadamente
tachada de suja e mal composta narrativamente. Na verdade, a
realização germânica é um mergulho
assustador no demonismo criminoso e ao mesmo tempo suicida do
nazismo em sua agonia às vésperas do fim da II
Guerra Mundial; minucioso como relato histórico, forte
como articulação de imagens de reconstituição,
A queda em momento algum apela para o estereótipo do ditador
maluco: contando com a interpretação cheia de tons
do austríaco Bruno Ganz na pele complicada de Hitler,
o filme esboça um desenho acurado e pleno de delírios
do ditador alemão.
Aquele
chefe de Estado que encarnava um estudado autopersonagem nas
esplendorosas imagens da cineasta alemã Leni Riefenstahl
em O triunfo da vontade (1936), o mais belo filme-propaganda
da história do cinema, é visto muitas vezes como
um cão baboso em A queda, obra que despreza a inteireza
plástica em nome daquela sujeira humana que interessava
a muitas narrativas do alemão Rainer Werner Fassbinder,
que refazia o cinema de Hollywood antigo de maneira desglamurizada.
Partindo dum texto do historiador teutônico Joachin Fest
e dos depoimentos da datilógrafa de Hitler, Traudl Junge,
que assistiu aos momentos finais dos chefes nazistas e foi vista
no documentário Eu fui a secretária de Hitler (2002)
dando entrevistas para os realizadores André Heller e
Othmar Schniderer, o diretor de A queda dá o retrato insano
do Terceiro Reich quando esperneava diante da derrota; no início
da fita e depois no fim as palavras de Junge aparecem sobre as
imagens (no início o que há é uma tela escura)
como contraponto ao universo que aparecerá (ou apareceu)
em cena.
A
atuação de todo o elenco está adequadíssima.
São interpretações selvagens bem de acordo
com os seres que interpretam. Bruno desorienta-nos a todo o momento.
Mas seus pares coadjuvam com um realismo que se opõe àqueles
efeitos de ator que Bruno vai pondo em sua caracterização.
Como
documento histórico, A queda é soberbo. Como
cinema, é uma contribuição crítica
importante para o jeito de ver em imagens o mundo de danações
do Terceiro Reich.
Por Eron Fagundes
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