15 de novembro de 2007
A história contada pelo realizador Carlos Cortez em Querô (2007) é a mesma que o diretor Reginaldo Faria levou às telas nacionais na época da abertura política moderada em Barra pesada (1977). Ambos os filmes partiram do romance Uma reportagem maldita, escrito pelo dramaturgo Plínio Marcos, um dos nomes quentes do teatro brasileiro daqueles anos. Plínio descia aos infernos da miséria brasileira para edificar tragédias humanas extremamente vivazes, extremamente vivas. Se Reginaldo capturou uma parte de seu universo, Carlos transformou o viés marginal de Plínio num melodrama social miserabilista, pleno daquele coitadismo que incomoda por sua artificialidade.
De Reginaldo a Carlos, o protagonista mudou levemente o nome. Era Queró em Barra pesada. Virou Querô no filme feito trinta anos depois. Vogal aberta ou fechada, pouco importa. Stepan Necessian como um adolescente criminoso teve um desempenho de grande veracidade na realização de Reginaldo, Catado na periferia, para dar autenticidade a seu papel, Maxwell Nascimento parece um pouco perdido e desajeitado na pele de sua personagem, no filme de Carlos. Curiosamente, a verdade construída de Necessian é mais forte e real que a verdade encaixada de Maxwell: o método neo-realista, com tintas bressonianas, não funciona bem em Querô.
Na abertura do filme, o melodrama da prostituta que dá à luz um menino e é expulsa do bordel pela cafetina é pintado com tonalidades fortes pelo cineasta, lembrando um pouco o jeito do diretor espanhol Pedro Almodóvar. A interpretação de Maria Luisa Mendonça como a meretriz-mãe é breve mas marcante; ela vai aparecer no exultante final para, misturada com as prostitutas que o garoto vê, tentar iluminar os caminhos escuros de seu filho. É Querô quem, voz-over, começa narrando o filme, revelando a desgraceira que é ser filho duma prostituta que se matou ingerindo querosene: daí seu apelido, Querô. O banditismo da personagem é constantemente revisado pelo coitadismo da falta de perspectivas de sua existência.
De todo o jeito, a carga dramática do texto de Plínio Marcos passa longe de Querô. O dramaturgo brasileiro usava dizer que era “um cronista de um tempo muito mau.” Plínio hoje veria os tempos piorarem. A realidade piorou, como está demonstrado em Tropa de elite (2007), de José Padilha. Mas também as possibilidades cinematográficas do universo de Plínio foram pioradas, como se vê em Querô.
Por
Eron Fagundes