15 de março de 2008
John Rambo, um mito do cinema comercial norte-americano, está de volta e, ao que parece, as platéias de hoje não se rendem facilmente aos possíveis encantos de sua truculência silenciosa. Para o ator norte-americano Sylvester Stallone parece que a figura careteira de Rambo ficou como sua persona fílmica essencial. Assim, Rambo IV (Rambo; 2008) é muito mais um projeto individual de Stallone do que uma necessidade da indústria; diante disto, Stallone não-somente interpreta sua criatura como também toma a braços a direção do filme. E o faz com os tiques dos filmes de ação-Rambo que o ator aprendeu vendo seus diretores trabalharem.
O Rambo que o espectador do terceiro milênio vê na tela tem a mesma identidade da personagem que os públicos dos anos 80 viram e prestigiaram desde seu aparecimento em Rambo, programado para matar (1982), dirigido na América pelo canadense Ted Kotcheff. Depois de Rambo III (1988), dirigido pelo inglês Peter MacDonald, a personagem naufragou: os grandes recursos de produção deste terceiro Rambo não obtiveram os favores da bilheteria, e para um projeto comercial isto é indesculpável.
Numa determinada seqüência de Rambo III o soldado vivido por Richard Cremma, questionando o desejo de sossego de Rambo em terras da Tailândia, diz que a máquina de combate em que se transformou Rambo não é um produto do exército; Rambo-máquina já existia em bruto, o exército tão-somente lapidou esta máquina de matar. Em Rambo IV um outro indivíduo diz algo parecido, Rambo não lutou por seu país, lutou por si mesmo, pela violência que já estava dentro de seu sangue. Neste Rambo IV a personagem chega a estar disfarçada de barqueiro antes de sua violência explodir. Stallone filma com fúria e destreza visual cabeças e corpos que se arrebentam diante de armas. A violência de Stallone é uma violência moralista, a violência do bem que quer combater o mal; os missionários ingênuos que querem pela voz da paz extirpar o mal da Birmânia, têm a doce simpatia de Rambo, mas o que Rambo faz é mostrar que só a violência pode combater a violência do mal. O cinema da violência concebido por Stallone e sua criatura é direto demais para ter qualquer relação com os vieses de violência elaborada de filmes dos irmãos Coen ou de David Cronenberg; também a violência do ator-personagem não tem a complexa maldade de Sam Peckinpah ou Rob Zombie.
Rambo IV é um espetáculo que, se topar seu público certo, pode funcionar por sua eficiência como narrativa simples de ação. Mas talvez seja uma espécie de suspiro final de John Rambo, o herói resuscitado de maneira um tanto quanto desleixada e esquemática demais por Sylvester Stallone. Não deixa de ter o seu grau de intensidade anacrônica para os que vivemos os anos 80 cinematográficos; mas é notoriamente desqualificado como cinema quando o espectador dá um minúsculo passo para fora de seus estreitos limites de glorificação de um herói exumado a ferro e fogo.
Por
Eron Fagundes