CELULÓIDE TRANSBORDANTE
 

 

O jovem realizador norte-americano Darren Aronofsky (conta com trinta e dois anos de idade) tenta algumas ousadias formais em seu filme de estréia, Réquiem para um sonho (Réquiem for a dream; 2000). A abundância de cortes, promovendo um metralhar de planos curtos, origina uma certa vertigem narrativa antes dirigida aos sentidos que ao cérebro do espectador. A característica enforcada das angulações dos quadros cinematográficos cria o necessário clima delirante e opressivo. A fotografia meio suja, aqui desfocada, ali obnubilada por sombras aproxima a realização da estética pós-moderna. Aronofsky exercita outros fricotes estilísticos: dividir verticalmente a tela para apresentar angulações diferenciadas da mesma cena; inserir intersticiais imagens abstratas (o primeiro plano de um olho, uma gota d'água que cai em algum lugar, uma fritura qualquer que se desmancha no vazio) para mexer com a maneira de olhar do observador.

No centro de toda esta parafernália formal três dramas básicos: a velha mãe seduzida pelo sonho televisivo, o rapaz drogado que vê seu braço amputado em função das seringas envenenadas, sua namorada que tem de humilhar-se sexualmente para homens lascivos visando a obter o objeto de seu vício. Numa das seqüências mais fortes do filme um violento sintagma alternado faz cruzar imagens alucinadas dos três dramas: a velha que sofre eletrochoques, o jovem de quem extirpam o braço, a garota mergulhada em sua assombrosa orgia.

Os excessos de Réquiem para um sonho fazem o vaso transbordar: há muita água para pouca folhagem. Aronofsky tem lá seu talento e inquietação, mas faltou-lhe experiência para ligar fundo e forma de maneira mais equilibrada mesmo dentro do desequilíbrio (há até uma cena de câmara trêmula) que é a pessoal proposta do cineasta. Tudo parece muito confuso na visão das drogas que o diretor expõe. Contrapondo-se à excessiva objetividade do cinema americano usual (o cinema de cunho sociológico de Martin Ritt, por exemplo), Aronofsky não tem o estofo de autores como o russo Sergei Paradjanov para revolucionar o cinema. A piração da narrativa perde-se na superficialidade e numa certa esterilidade.

Todavia não se pode negar o mérito de incomodar que tem uma obra como Réquiem para um sonho. Acresce ainda o especial desempenho da grande Ellen Burnstyn, atriz habitual das produções de Hollywood nos anos 70 e hoje em dia de presença rarefeita nas telas; é curioso observar que os planos rápidos de Aronofsky aqui e ali se alongam um pouco ao deparar com o talentoso rosto de Ellen.

Por Eron Fagundes

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