A PUREZA E O PECADO
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12 de julho de 2004

 

A atriz italiana Valeria Golino adota em seu método de interpretação elementos que metaforizam os próprios significados do filme que ela protagoniza, Respiro (Respiro; 2002), dirigido pelo cineasta Emanuele Crialese: com seu jeito de menina quarentona, tão dócil em seus afetos quanto perturbadora em seus arroubos mais violentos, a intérprete empresta a sua personagem as características de anjo-diabo, bem de acordo com as intenções da narrativa, que oscilam entre a pureza e o pecado.

Valeria é a única intérprete profissional do elenco; os demais são amadores catados no local de filmagem, uma praia da ilha de Lampedusa, na costa da Sicília, onde a história da película se passa, translúcida e de fácil visão como as águas do Mediterrâneo. A loucura serena mas irreverente de Grazia, a criatura a que Valeria dá vida, inquieta uma comunidade tão atrasada moralmente quanto pode ser a daquele fim de mundo em que pouca coisa de interessante poderia acontecer; mãe de três filhos (entre eles uma garota), casada com um pescador, Grazia acaba sendo vista como anormal por seus hábitos liberais e decidem interná-la numa clínica em Milão; ela desaparece da vida de todos, só freqüentada numa caverna por um de seus filhos, é tida por morta quando topam com uma roupa sua na beira da praia, o povo a eleva curiosamente à categoria de santa, até que no final o que vemos é a encenação do realismo fantasioso na reaparição da mulher no fundo do mar com seu marido.

Embora conte com certos elementos popularizados nos anos 40 pela escola do neo-realismo italiano, o filme não é uma experimentação tardia daquele estilo de filmar, como ocorre com as realizações dos irmãos Taviani. Crialese é menos rigoroso em sua concepção estética e suaviza as asperezas das interpretações não-profissionais com um método de filmar mais pasteurizado, que ainda assim não perturba a beleza de sua película.

Por Eron Fagundes