27
de dezembro de
2004
Em
O retorno (Vazvrashcheniye; 2003) o cineasta russo Andrei Azvyagintsev
utiliza as problemáticas relações de pais
e filhos para, acercando-se do que acontece na tensão
entre as gerações, falar dos desencontros humanos
de sempre: valemo-nos de linguagens diferentes para nos comunicarmos,
daí a infelicidade desta comunicação. O
argumento inicial da narrativa exacerba as tensas questões
entre pais e filhos: um pai, depois de doze anos de ausência,
volta ao lar atendendo a súplicas da esposa e topa dificuldades
para se aproximar de seus adolescentes, abandonados por ele quando
muito pequenos; uma longa viagem por lugares ermos vai pôr
em xeque as diferenças entre os três, criando uma
tragédia tão obra do acaso quanto preparada pelo
rigor e pela profundidade com que o realizador esmiúça
a psicologia de seus três seres.
A
fotografia do filme é estudadamente desbotada. Os movimentos
de câmara, conquanto dotados linearmente duma harmonia
clássica, adquirem aqui e ali conotações
mais desfocadas. Tudo é muito pensado em cada gesto em
cena: o extraordinário realismo íntimo do comportamento
dos atores é um dado relevante para a composição
das personagens –o pai rude e necessitado de compreensão,
o filho maior acessível ao pai, o filho menor mais duro
e afastado antes do desenlace fatal que o fará compreender
(tardiamente um pouco) o pai.
O
retorno é uma surpresa. E pode significar que existe
uma vida inteligente no cinema russo que o mercado distribuidor
deveria esforçar-se por descobrir.
Por Eron Fagundes
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