ENFADO ITALIANO EM HOLLYWOOD
eron@dvdmagazine.com.br

26 de abril de 2004

A cineasta italiana Liliana Cavani, praticamente ignorada depois das provocações escandalosas de O porteiro da noite (1974), torna a aparecer nas manchetes cinematográficas ao rodar em Hollywood O retorno do talentoso Ripley (Ripley’s game; 2002), extraído duma novela policial de Patricia Highsmith que em 1977 rendeu ao alemão Wim Wenders uma de suas narrativas mais digeríveis, O amigo americano. Cavani não é Wenders e perde o jogo com o espectador: superficial e fácil demais em suas soluções dramáticas, a realizadora escorrega a todo o momento.

A revisão não há muito de O sol por testemunha (1959), de René Clement, em que se retratavam os jovens anos da personagem vigarista de Highsmith, permite concluir que falta mão de cinema à diretora italiana. Investindo na maturidade da criatura trapaceira agora vivida com irônico e histriônico cinismo por John Malkovich, Cavani explora com crueza as relações entre o mundo abjeto (cheio de sangue e morte) em que seus seres-homens vivem e o sub-universo de afeto com mulheres e refinamento artístico que corre paralelo a tudo o que de mau pode conter o coração de cada um deles.

O final em que Malkovich olha para sua amante que dá um concerto, logo depois de escapar à morte graças ao sacrifício de seu amigo-vítima que o amparou das balas inimigas como um inesperado escudo (as cenas de memória são insertas na montagem deste final, como um pensamento cínico da personagem de Malkovich), poderia ser mais aprofundado por Cavani, que preferiu, ao longo de todo o filme, embarcar na canoa fácil que não exige muito do público.

Por Eron Fagundes