18
de abril de 2006
A
Adolfo Aristarain é um dos principais realizadores cinematográficos argentinos. Indiferente aos modismos de produção, Aristarain continua a rodar um tipo de filme empenhado (psicológica e politicamente) praticado por cineastas latino-americanos e europeus nos anos 70 e 80 do século XX; há alguma coisa de literário ou intelectual em seu cinema, mas ele evita com rara personalidade fílmica os aspectos pedantes destas influências estrangeiras ao espetáculo cinematográfico em si.
Em Roma (Roma; 2004) o cineasta faz a suma de sua arte, prestando contas do que vem dizendo ao longo de décadas. Acertando na depuração duma sensibilidade cujo veio anacrônico tornou amorfa a narrativa de Lugares comuns (2002), Aristarain deslumbra o espectador em muitos momentos de seu Roma. A primeira imagem do filme, que vai repetir-se no fim, é a dum velho homem que fita as águas barrentas de um rio; a insistência da câmara de Aristarain nos movimentos das águas converte-se num exercício de hipnotismo cinematográfico que pode tontear o olhar do observador.
Ao eleger um escritor desiludido com a futilidade de sua vida como protagonista de sua história, Aristarain traça um balanço de sua geração, especificamente dos artistas desta geração. Ao transformar em imagens os episódios de vida que o escritor está pondo no papel (o título da autobiografia é o mesmo do filme, e se refere à mãe da personagem e não à cidade italiana), Aristarain aproveita para, um pouco como o fez o documentário Memória do saqueio (2003), do também argentino Fernando Ezequiel Solanas, expor artisticamente um pedaço da história argentina no século XX. Com habilidade e senso narrativo, Aristarain enxerta entre os longos flashbacks (retornos ao passado) trechos significativos da relação do rude e envelhecido escritor com o jovem que o está ajudando a mandar para dentro do computador uma memória afetiva de quem está em fim de carreira. Transparência e aguda sensibilidade são os ingredientes, ao modo das décadas de 70 e 80, de que se vale Aristarain para acertar o passo de seu belo filme.
Como retrato de um artista (um criador literário), Roma tem bastante mais afinidade com o assunto do que Capote (2005), de Bennet Miller; a exterioridade do filme norte-americano se esvai quando se tem a melancolia crítica da realização de Aristarain para comparar. Mesmo se tratando de uma ficção sem o substrato real de Capote, o sentido de realidade e veracidade de Roma é muitas vezes mais forte.
Por
Eron Fagundes