CINEMA ULTRAPASSADO
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01 de dezembro de 2003

De certa maneira, o cinema praticado pelo diretor brasileiro João Batista de Andrade em Rua seis, sem número (2002) contém um anacronismo que o fragiliza narrativamente. O tipo de cinema político e social assim como ali está sofre de anemia formal: os lances mais dramáticos e perversos perdem sua força em virtude de um certo comportamento postiço do realizador.

Sabe-se do pendor documentário de Batista de Andrade e sua prestigiada formação político-social. Mas, diversamente do canadense Denys Arcand em As invasões bárbaras (2003), o cineasta brasileiro não atualizou seus métodos estéticos.

Já no filme anterior de Batista de Andrade, O cego que gritava luz (1996), a frouxidão narrativa, cuja proximidade com a reportagem policial é equivocada, a decadência daqueles postulados que tiveram em O país dos tenentes (1987) seu ponto alto, se evidenciava. Em Rua seis, sem número se cristaliza a falta de perspectiva do atual modelo de realização do diretor.

Batista de Andrade busca um cinema desglamurizado, como em Amarelo manga (2002), de Cláudio Assis, filmando as vidas mesquinhas e suburbanas esquecidas pelo país. A utilização dos descaracterizados cenários de interior e alguns alongamentos de planos ainda revelam a capacidade diretiva de Andrade. Mas ali onde o pernambucano Assis atinge o âmago de suas simplórias personagens, Andrade falha num tom semidocumental artificioso e bastante longe da veracidade buscada.

A ironia da vida do desempregado vivido por Marco Ricca, hesitante entre valer-se do dinheiro entregue a ele por um velho assassinado e fazer este dinheiro ir para as mãos duma tal de Maíra moradora duma incógnita rua seis (última vontade do moribundo), percorre questões morais e sociais que infelizmente a realização de Batista de Andrade não soube aprofundar dramaticamente.

Por Eron Fagundes