PAIXÃO PELA IMAGEM A E PORNOGRAFIA
 

 

23 de maio de 2007

O taiwanês Tsai Ming-Liang é um dos mais exigentes realizadores cinematográficos da atualidade. Em O sabor da melancia (Tan bian yi duo yun; 2005) ele exibe a excelência de seu cinema concentrado basicamente numa imagem que se elabora a partir de si mesmo: desde o longo plano geral fixo do interior de um prédio, uma área de cruzamento onde a câmara acompanha primeiro o cenário vazio e depois o andar natural de duas mulheres que vêm em sentido contrário e se cruzam sem qualquer relação uma com a outra, o cineasta mantém sua plasticidade estática, uma lentidão absoluta de seu ritmo narrativo edificado. Curiosamente, Ming-Liang namora em seu filme dois gêneros habitualmente superficiais: há inserções musicais como interstícios dos feixes de imagens, uma especialmente tocante porque homenageia Os guarda-chuvas do amor (1964), clássico do cinema francês dirigido por Jacques Démy; e as longas e incômodas seqüências de sexo explícito (pura animalidade) remetem a um possível gosto de Ming-Liang pelo masturbatório cinema da pornografia; mas nada disto retira do diretor uma intensidade estilística que eleva os conteúdos mais constrangedores a uma estilização de filmar cheia de achados.

O gosto de Ming-Liang pelo sexo não está somente neste filme. Em O rio (1997), talvez sua obra mais elaborada, o amante da mãe do protagonista põe em seu vídeo filmes pornográficos. Agora, em O sabor da melancia, o realizador alarga sua experiência estética como voyeur das cópulas alheias. Mas tanto O rio quanto O sabor da melancia vêm a tratar do cinema mesmo, do poder da imagem. O jovem que serviu de extra numa filmagem num rio poluído e passa a ter problemas ósseos não deixa de ser uma figura de cinema, em O rio. O vendedor de relógios cuja namorada descobre que ele é um ator de filmes de sexo, é outra criatura cujo gesto cinematográfico influencia sua vida fora do set de filmagem; naquela cena ao final em que ele vai acabar o ato sexual que mantém com uma atriz pornô desmaiada ou morta, na boca de sua namorada, separada dele por uma janelinha de grades que dá para o precário estúdio pornográfico (seria uma versão escatológico-pornô da cena final de Pickpocket, 1959, do francês Robert Bresson?), se evidenciam as ligações entre o cinema e a vida na arte de Ming-Liang.

Na seqüência que fecha Vive l’amour (1994), um filme quase desconhecido do realizador, o som martelante dos sapatos duma mulher inunda os travellings e estaca no plano fico derradeiro, criando uma exasperação mágica no ouvido-olhar do espectador. Esta exasperação torna a ser encontrada em muitas insistentes cenas deste belíssimo O sabor da melancia, onde, lá pelo início, numa exuberância sexual entre um homem e uma mulher, uma melancia, posta sobre a vagina, simula, com seu vermelho e seu caldo, a própria genitália feminina e seus abismos eróticos.

Por Eron Fagundes

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