O FORMALISMO DE SAURA
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10 de novembro de 2003

Creio que o vigor criativo do balé cinematográfico inventado pelo cineasta espanhol Carlos Saura se esgotou nos três filmes rodados com o auxílio do bailarino-coreógrafo Antonio Gades: Bodas de sangue (1981) é talvez o último grande filme de Saura até o momento e mesmo Carmen (1983) e O amor bruxo (1986) não deixam de ter o seu brilho. Flamenco (1995) foi uma catástrofe narrativa. Eu não diria isto de Salomé (2002), que tem lá sua bela nobreza, mas o que incomoda no novo trabalho do genial diretor de Elisa, vida minha (1977) é uma frieza formalista que afasta seu universo daquele profundo calor espanhol de que ele revestia suas histórias ainda que dentro de um rigor seco como em Os olhos vendados (1978).

Saura repete-se, é verdade, e não deixa de apresentar seu extraordinário senso plástico em Salomé. Como ocorria em Bodas de sangue, na parte inicial de Salomé Saura desvenda o processo de criação artística, revelando uma certa biografia de atores, uma concepção do espetáculo, questões de luzes e cenários, pondo em cena um diretor que é o porta-voz do próprio realizador; neste aspecto, mesmo sem a profundidade de Bodas de sangue, Saura é muito mais eficiente e belo que Rob Reiner no medíocre Alex & Emma (2003). Esta parte inicial foi realizada em vídeo, enquanto as seqüências da história de Salomé foram vertidas na câmara habitual de 35 mm.

Tudo é muito bonito em Salomé: os estudados gestos dos atores, a criatividade dos cenários (não tão despojados quanto em Bodas de sangue), a belíssima iluminação, a montagem dos enquadramentos que nunca se rendem à sintaxe convencional. Mas faltou – oh, pobre admirador do velho Saura que sou! — aquela centelha emocional que fazia de um filme como Doces momentos do passado (1981) uma obra-prima.

Por Eron Fagundes