30
de junho de 2003
O cinema
indiano é praticamente ignorado no ocidente. Quem presta
atenção nas programações da televisão
a cabo brasileira, pôde deparar com filmes de Satyajit Ray,
o mais conceituado realizador clássico da Índia.
Nos cinemas comerciais tem aparecido o nome da cineasta Mira Nair,
uma mão de filmar um tanto quanto pesada.
Neste
contexto, a produção internacional Samsara
(2001), dirigida pelo indiano Pan Nalin, é umas
das surpresas da atual temporada de cinema em Porto Alegre. A
beleza das imagens se impõe; a linguagem cinematográfica
reflexiva, exasperantemente lenta, os planos se alternando na
tela de maneira bastante vagarosa, os gestos minuciosos e compassados
das personagens, a plasticidade da colocação de
cada detalhe cênico, tudo contribui para o encanto hipnótico
do filme, que ultrapassa a questão do exotismo oriental
para chegar a algo profundo e belo.
Como
ocorre com alguns clássicos do cinema da alma (Gritos
e sussurros, 1972, do sueco Ingmar Bergman; Cria
cuervos, 1976, do espanhol Carlos Saura), Samsara
vai alternando silêncios e ruídos entre
imagens que pouco a pouco adquirem uma plasticidade interiorizada.
O protagonista da realização de Nalin refaz a trajetória
de Buda, ao contrário: depois de um tempo de meditação,
sai em busca da mundanidade; se a primeira parte da fita é
austera, a segunda parte inclui algumas inserções
eróticas meio surpreendentes para uma narrativa espiritual.
É como se o japonês Nagisa Oshima de O império
dos sentidos (1976) invadisse o set de filmagem do francês
Robert Bresson. Do contraste entre o amor físico e o amor
espiritual o diretor indiano extrai a inquietação
temática a que a inquietação visual corresponde
inteiramente.
O comportamento
nos limites do pecaminoso das personagens vai ter seu contraponto
punitivo, moral no incêndio que destrói a plantação
do herói. Se em Cinzas no paraíso
(1978), do americano Terrence Malick, a praga era o símbolo
da punição, em Samsara é
algo mais infernal: o fogo.
Mas
em momento algum Samsara, filme espiritual, deve ser confundido
com um moralismo retrógrado. O trabalho de Nalin é
um destes contos de aldeia de que só os orientais sabem
os segredos de filmar.
Por Eron Fagundes
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