19
de julho de 2003
“Poucos
parecem ter notado que na época de Julieta dos
espíritos ele se tornara um anfitrião de
festas profissional. Fazer filmes, da maneira que muitos garotos
fazem, é como dar uma festa. E suas ‘idéias’
de cinema muitas vezes não são mais do que organizar
e filmar uma festa louca e esquisita.” Com estas palavras
a ácida crítica norte-americana Pauline Kael estabelece
uma das muitas definições possíveis para
o cineasta italiano Federico Fellini, o ponto alto do grotesco
e do barroco e do grotescamente barroco em cinema. Em sua época,
dizia-se de cada lançamento de uma obra de Fellini que
era um acontecimento: uma festa, “uma atividade social”,
outra das definições de Kael, que reflexiona sobre
a diferença entre o cineasta e os outros artistas de áreas
fora do espetáculo, mais ligados a uma sala de estudos.
Fellini
Satyricon (1969), visto agora nesta boa onda de clássicos
relançados, é certamente uma das festas cinematográficas
mais indigestas apresentadas pelo realizador peninsular; imagina
o leitor-espectador um daqueles banquetes cheios de gorduras vazias,
que só servem mesmo para inchar o estômago dos comensais.
Não se pode negar que Fellini exibe inevitavelmente sua
criatividade de símbolos e figuras: o cineasta reconstrói
de maneira pessoal a Roma antiga de Petrônio, povoando-a
das estranhas figuras que eternamente caracterizam o universo
felliniano, anões, aleijados de toda ordem, máscaras
em profusão. Mas Fellini faz de suas alegorias balões
inchados, seu habitual senso do espetáculo em cinema descarrila,
acaba por compor um filme de experimentações muito
próximo da esterilidade daquele cinema feito no Brasil
na época da ditadura militar, recendendo a hermetismo,
fechado em seus signos. Certamente Fellini deixa sua marca de
diretor de exceção em muitas imagens como nenhum
realizador tupiniquim o lograria, mas nenhum lampejo de gênio
salva Satyricon de seu arrastado aborrecimento.
Satyricon
transborda em suas visões robustas, em seus exageros formais.
Não tem a profunda melancolia de A doce vida
(1960), seu filme mais completo. Falta-lhe a inquietação
moral de Oito e meio (1963). Está longe
da poesia de imagem de Amarcord (1973). Sem ter
muito o que dizer, como a personagem Guido Anselmi de Oito
e meio, Fellini parece confiar, com muito narcisismo,
nas formas que adotou como cinema e mergulha num labirinto que,
no espaço de Satyricon, não tem
saída senão para um vôo escuro.
Por Eron Fagundes
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