UM JEITO ANACRÔNICO DE FILMAR
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25 de abril de 2005

O cineasta espanhol Carlos Saura esforça-se por voltar a um universo cinematográfico que lhe rendeu seus mais belos filmes. O sétimo dia (El 7º dia; 2004) é este ponto de retorno da filmografia do realizador. Sua obsessão precisa pelo universo das garotinhas, sua maneira espanhola de expor a experiência humana com a morte, sua grande capacidade de elaboração formal (seu atual filme abre com estudados planos fotográficos, em fotografia pastel, de desolados cenários do interior da Espanha) remetem a Cria cuervos (1976) e Elisa, vida minha (1977); suas observações sobre os tipos excêntricos e loucos que habitam a planície hispânica tentam a mesma inquietação de narrativas como Ana e os lobos (1972) e Mamãe faz cem anos (1979). Mas, para quem reviu há alguns anos a obra-prima Doces momentos do passado (1981), se evidencia que no caminho de Saura quase tudo da profundidade dramática de seus velhos tempos se perdeu; seria o processo duma esclerose de filmar ou o envelhecimento de certos métodos estilísticos que ele teima em adaptar a um filme de hoje?
De fato: O sétimo dia é um belo filme e vai adotando uma concepção superficial de beleza para harmonizar seus conceitos fílmicos. O calor espanhol de Saura é o que transforma este rol de coisas já vistas (e melhor vistas) que é sua fita em algo ainda capaz de emocionar-nos, mesmo que tudo esteja envolto numa certa frieza formalista; este calor da direção de Saura se acentua na inserção do comentário musical, na condução do elenco e em impor certo sentido à tibiez terna das imagens. Especialmente é de notar a intensidade da cena em que as três meninas se põem a dançar e a cantar; aí se torna a revelar aquilo que, plasmado em Bodas de sangue (1982), tem estado no sangue do cineasta em anos recentes de sua carreira: uma relação tensa e intensa entre música e imagem, ou a capacidade musical da câmara cinematográfica.

Como Os sonhadores (2003), do italiano Bernardo Bertolucci, e Nossa música (2004), do franco-suíço Jean-Luc Godard, este O sétimo dia é um exemplar tardio dum processo de filmar que teve seu auge nas décadas de 60, 70 e parte da de 80 do século passado.

Por Eron Fagundes