28
de junho de 2004
Na época
do homem sarcástico, não se pode mais fazer um
conto de fadas como antigamente. A revisão de alguns clássicos
do realizador norte-americano Vincente Minnelli provocam no espectador
este travo de anacronismo; Sinfonia de Paris (1950) sobrevive
graças ao seu requinte de formas, que supera a ingenuidade
de sua história.
Shrek
2 (2004), de Andrew Adamson, Kelly Asbury e Conrad Vernon, continuação de um desenho animado que fez sucesso
em 2001, é o conto de fadas que pretende demolir a gênese
de todos os contos de fadas que o antecederam: o sarcasmo com
que o trio de cineastas expõe certas situações
clássicas das historietas infantis correspondem a uma
visão contemporânea, princípios do século
XXI, desta coisa insólita que é o “viveram
felizes para sempre”. Talvez a zombaria mais feroz de Shrek
2 recaia sobre a personagem de Pinóquio e seu nariz eterno;
Antonio Banderas, emprestando voz a um gato de botas, vem a mofar
de si mesmo, de seu papel como o mais recente Zorro. Mas o enredo
do ogro que ama uma princesa, brincando com a questão
da aparência e do fato de que só os iguais poderiam
amar-se (no fim ambos se convertem em ogros, talvez para provar
que a feiúra física não importa numa relação
amorosa), é danadamente sem imaginação e
os críticos têm levado tudo muito a sério:
sério demais; querer fazer de Shrek –1, 2 ou o que
mais vier—algo mais do que um entretenimento bem feito
e dali extrair lucubrações sociais é constrangedor
para quem analisa o filme e para quem lhe lê a análise.
Como
Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004), de Alfonso Cuarón, ou até o terrível A
paixão
de Cristo (2004), de Mel Gibson, sem esquecer Tróia (2004),
de Wolfgang Petersen, e O dia depois de amanhã (2004),
de Roland Emmerich, Shrek 2 engrossa um grupo de filmes que buscam
a diversão descompromissada, forçando um pouco,
acerebrada mesmo. Tais películas se opõem a um
cinema meditado e provocativo, como em Elefante (2003), de Gus
Van Sant, e O outro lado da rua (2004), de Marcos Bernstein.
A opção de um crítico vai definir de que
lado ele está; o resto é perigosa ambigüidade.
Por Eron Fagundes
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