A RECUPERAÇÃO SENTIMENTAL
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29 de março de 2004

A realizadora norte-americana Audrey Wells expõe todo o seu fascínio pela cultura italiana ao rodar Sob o sol da Toscana (Under the tuscan sun; 2003). Primeiramente escolhe os cenários desolados e tórridos da região italiana da Toscana para ambientar a narrativa em que se desenvolverá a recuperação sentimental da protagonista vivida por Diane Lane, uma escritora ianque cujo marido no início do filme a troca por uma adolescente (este fato é elíptico, pois Wells não mostra o marido nem sua jovem amante –a revelação é feita à personagem, de maneira sarcástica, por um terceiro ressentido com uma de suas críticas ao livro dele durante uma sessão de autógrafos da criatura de Diane). Depois, coloca num dos papéis secundários o veterano cineasta italiano Mario Monicelli. Finalmente cita visualmente A doce vida (1960), de Federico Fellini, recriando a famosa cena da Fontana di Trevi, e em referências nos diálogos vai a outro clássico de Fellini, As noites de Cabiria (1957), evocando o vigor infantil de uma das mais belas criações de Fellini, a prostituta Cabiria.

Na verdade, a cineasta e sua personagem, desgastadas pelas formas dos sentimentos americanos, sentem-se atraídas pela voluptuosidade peninsular. É evocado um Fellini terno e sentimental, ternura e sentimentalismo que as imagens de Sob o sol da Toscana se esforçam por perseguir. Que é que falta?A grandeza lírica que faria de Audrey uma boa discípula do mestre italiano.

Que temos em cena? A superficialidade de um melodrama americano fácil de ver mas incapaz de fixar-se na memória. Se em Swimming pool (2003), do francês François Ozon, a ficcionista vivida por Charlotte Rampling permitia uma reflexão sobre o ator criador do artista, a figura interpretada por Diane Lane não passa ao espectador suas inquietações de escritora; o que interessa em Sob o sol da Toscana é chafurdar em constrangedoras miudezas sentimentalóides. Quão longe estamos de Fellini!

Por Eron Fagundes