JARMUSH INTERMEDIÁRIO
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15 de março de 2005

É falso afirmar que Sobre café e cigarros (Coffee and cigarettes; 2003), do norte-americano Jim Jarmush, é construído de onze curtas-metragens; pode ser que a obra tenha sido rodada assim, como filmes curtos, alguns datam de 1987 e os outros vieram na trilha ao longo de dezessete anos; mas, ao montar em 2003 sua narrativa, Jarmush deu-lhe uma unidade formal e temática em que todos os episódios se entrelaçam pela banalidade das conversas, pelo jeito rude dos cenários e pela presença em cena de muito cigarro e muito café. É uma fita inteiriça, em que a câmara de Jarmush observa mais uma vez o vazio cotidiano: fragmentos de vida comum, como em todos os seus trabalhos anteriores.

Irônico, sutilmente sarcástico, Jarmush lida bem com o estrelismo de Cate Blanchett, Steve Coogan e Alfred Molina; suas anotações ultrapassam o simples realismo de cena para fazer um jogo com a auto-personagem dos atores. O filme não deixa de ser um divertimento curioso, um pouco inútil, em que a linguagem pessoal de Jarmush, navegando entre o alemão Wim Wenders, o japonês Yasujiro Ozu e o francês Robert Bresson, se exercita novamente. Mas surge ainda e sempre um maneirismo formal gratuito que impede Sobre café e cigarros de se aproximar das obras-primas do cineasta, como Estranhos no paraíso (1984) e Trem mistério (1989).

Por Eron Fagundes