A ARIDEZ INCÔMODA DE SOKUROV
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19 de julho de 2003

Há cineastas que parecem deslocados no tempo em que realizam seus filmes. O russo Aleksandr Sokurov é um destes artistas da câmara cinematográfica que incomodam pela excepcionalidade do rigor formal com que encenam suas austeras histórias. Em Taurus (2001) ele volta a demonstrar que seu cinema é para poucas mentes, se é que toda arte verdadeira não é sempre assim: para poucos. Não seria de qualquer maneira o projeto artístico algo extremamente anacrônico nos dias materialistas que correm? Sokurov é fora de moda para estes tempos de mistificação matriqueira, mas seria um contemporâneo ideal para a sensibilidade de François Truffaut em A noite americana (1973), embora a lentidão de linguagem duma obra-prima como Arca russa (2002) se filie mais à estética dos italianos Luchino Visconti e Michelangelo Antonioni, o barroquismo de grandes cenários viscontianos ou o barroco do detalhe antonioniano.

Taurus assemelha-se a Moloch (1999), o filme que tratava de Hitler e Eva Braun. Taurus adota igualmente uma fotografia opaca, pastel, tendendo a um esverdeado esmaecido e experimental desde o interior da cor; a rigorosa e lenta elaboração de planos, as características geladas dos cenários, a extraordinária ausência de emoção dos gestos das personagens acabam por confundir o espectador habitual numa narrativa certamente obscura e recheada de significados ocultos. Azar dos preguiçosos que desistiram do cinema inventivo. A crônica amarga e seca dos dias finais de Lênin, adoentado e sem noção da realidade de seu mundo, transforma-se numa obra que nunca deixa de perturbar os surrados conceitos cinematográficos. Tal como o espectador crítico sempre deveria exigir que fosse o bom cinema.

 

Por Eron Fagundes