22/04/2003
Para que serve uma crítica de cinema?
Para recomendar um filme? Absolutamente: neste caso bastaria
ao jornalista dizer ao público leitor que vá
ver tal filme, porque é bem feito, tem bons atores,
conta bem sua história, diverte ou faz chorar, coisas
assim bastante estereotipadas e superficiais. Por que é
que algumas pessoas escrevem sobre cinema? Por que especialmente
eu decido por comentar filmes? A quem me dirijo, que diabo
me move? Gosto muito de escrever e gosto de pensar que as
pessoas que lêem sobre cinema (que está bastante
longe de se tratar de todas as pessoas que vão ao
cinema) têm uma curiosidade intelectual muito grande,
mesmo que ignorem quem foi o italiano Michelangelo Antonioni
e o russo Andrei Tarkovski possam ser estimuladas a indagar
sobre eles ao lerem o título deste artigo que busca
analisar o filme do norte-americano Steven Soderbergh chamado
Solaris (2002).
Em 1972 o cineasta russo Tarkovski levou ao cinema uma primeira
versão do romance escrito pelo polonês Stanislaw
Lem. Era um filme tão lento quanto metafísico,
e sua lentidão vinha muito de sua metafísica
que exigia planos-seqüência cheios de absurdos
movimentos de câmara; um dos pontos altos da realização
de Tarkovski era sua pesquisa de cores, e um momento belíssimo
de imagem era o superplano aéreo do final da narrativa
em que o desgarrado protagonista voltava à terra.
Mas o filme de Soderbergh (que já realizou obras
mais pessoais do que este pastiche) parece beber mais na
lentidão existencial de Michelangelo Antonioni; as
relações do casal e as discussões sobre
a existência de Deus não são as mesmas
elaboradas por Tarkovski, tudo se aproxima muito do cerebralismo
específico de Antonioni, de quem Soderbergh se revelou
um epígono em sua prestigiada filmografia anterior
(o pouco visto O estranho, 1999, tem características
antonianas). De qualquer maneira, o Solaris de Soderbergh
é uma obra a considerar, a existência de um
cérebro num planeta cinematográfico (o cinema
americano habitual) tão desprovido do dito.
Voltando à vaca fria, uma crítica de cinema
autêntica é um mergulho no passado visando
ao futuro.
|