VERTENTES BRASILEIRAS NO CINEMA

O atual cinema brasileiro está dividido entre duas vertentes que se opõem: o cinema documentário e aquele cinema extraído de livros. Em sua base o documentário propõe uma linguagem mais aberta e improvisada, em que o roteiro seria feito só de anotações e a escrita mesma do filme se daria na hora da filmagem; contrapondo-se, o filme de literatura adotaria um roteiro mais minucioso, antecipando dramaturgicamente cada passo das personagens.

Sonhos tropicais (2002), de André Sturm, prende-se à segunda vertente. Nasceu de um romance do escritor gaúcho Moacyr Scliar cuja publicação inicial se deu há dez anos. Como boa parte dos ficcionistas contemporâneos, Scliar é um cinéfilo, e tanto em seus livros quanto em suas crônicas para jornais suas referências cinematográficas abundam. Mas o cinema não o tem visitado muito. Lembro que o cineasta gaúcho Nelson Nadotti realizou um belo curta-metragem em preto-e-branco, No amor (1980), a partir de um texto de Scliar composto para jornal. O catarinense Lucas Amberg transformou em filme um romance menos citado de Scliar, O sonho no caroço do abacate, realizando seu filme Campo dos sonhos (1998), uma pretensão industrial artisticamente falha.

A realização de Sturm faz parte do atual esforço de alguns diretores brasileiros por trazer para as telas nossa literatura recente. E Scliar não deixa de ser um bom nome.

Sturm é bastante livre em sua adaptação. O rigor formal e temático de Scliar em sua biografia romanceada do sanitarista carioca Oswaldo Cruz é deixado de lado pelo cineasta; paparicando o gosto do público, Sturm parece centrar o objetivo de sua narrativa na figura da prostituta judia-polonesa vivida com garra por Carolina Kasting; em Scliar havia duas linhas narrativas, mas uma delas era uma pesquisa contemporânea; no filme de Sturm observamos a existência de duas linhas no roteiro, porém se trata de algo muito diferente do que está no livro: longe de propor um mergulho na vida social, política e científica do início do século XX no país a partir de um olho do final do século, como o faz Scliar, o realizador faz cruzarem os choques palacianos e políticos da época retratada (tudo meio superficial e postiço) com o cotidiano da jovem e bela meretriz, cuja história de altos e baixos serve ao melodrama exposto. Demais, a direção de atores de Sturm é precária, evocando, mesmo dentro da eficiência técnica de interpretação no Brasil de hoje, um pouco do primarismo na maneira de dizer os diálogos e jogar surradas emoções no público que havia em antigos teleteatros nacionais.

A reconstituição de um tempo histórico, tecnicamente caprichada, está longe de apresentar uma visão crítica a partir da composição de cenários e guarda-roupa. É pena que a mais ambiciosa adaptação de um livro de Scliar adultere de tal forma um belo romance.

Por Eron Duarte Fagundes