17
de maio de 2004
O esforço
da diretora Christine Jeffs para captar a personalidade angustiada
e angustiante da poetisa norte-americana Sylvia Plath tropeça
nos aspectos burocráticos de sua linguagem cinematográfica.
O academicismo narrativo de Sylvia, paixão além
das palavras (Sylvia; 2003) se evidencia a cada fotograma e é um
estorvo para que o filme mergulhe sem pudores no inferno interior
de sua personagem.
Os
lances da vida de Sylvia são bastante conhecidos, especialmente
depois que Ted Hughes, o poeta inglês com quem ela foi
casada e teve duas filhas, abriu o jogo numa autobiografia publicada
há alguns anos. Sylvia morreu aos trinta anos, asfixiando-se
com gás num forno de cozinha enquanto seus filhos pequenos
dormiam no andar de cima da casa. O motivo aparente seria a não
superação de sua separação de Ted,
que a teria trocado por outra. Sylvia se teria aproximado de
Ted após apaixonar-se por uma das poesias dele; a paixão
da alma veio antes da paixão física, antes mesmo
do conhecimento físico (ver o corpo), assim como a atriz
sueca Ingrid Bergman se interessou pelo cineasta italiano Roberto
Rossellini inicialmente ao assistir a uma de suas realizações
neo-realistas. Enfim, identidades espirituais.
Apesar
de seu ranço burocrático, o filme não
impede que nos interessemos pelo que haveria de obscuro e inquietante
na figura literária de Sylvia Plath. Alguns excertos de
textos poéticos de Sylvia dão imagens da dimensão
de sua obra e de sua maneira de ser. É pena que os limites
lingüísticos dum filme evidentemente voltado para
compromissos comerciais abafe uma descida mais profunda à danação
de Sylvia.
Gwyneth
Paltrow apresenta altos e baixos em sua caracterização
como Sylvia: às vezes resgata a loucura da personagem,
outras deixa subir às suas faces um incômodo estrelismo
a que seu público estaria mais acostumado. Cuido que Nicole
Kidman, vivendo outra escritora suicida, a inglesa Virginia Woolf,
em As horas (2002), de Stephen Daldry, se despe com mais rigor
dos artifícios de estrela para atingir o interior da personagem.
Isto para não falar no dueto Judi Dench—Kate Winslet
que compõe um retrato da ficcionista inglesa Iris Murdoch
em Iris (2001), de Richard Eyre, de maneira perfeita (embora
o filme não sai não seja tão perfeito assim).
Voltando às interpretações de Sylvia, Daniel
Craig como Ted Hughes deixa mais a desejar que sua parceira,
pois suas expressões faciais se mantêm sempre um
tanto quanto duras e sem sangue; pode-se alegar a fleuma britânica,
mas eu já vi fleumas melhor desenhadas numa tela de cinema.
Entre
suas escassas virtudes e seus muitos problemas, a realização
de Christine Jeffs ao que parece vai fazendo um certo público
graças à natural curiosidade que cerca a curta
e trágica vida de sua protagonista. Entre outras coisas,
o filme semeia uma discussão polêmica, de cunho
feminista: teria Ted Hughes sido uma atrapalhação
no desenvolvimento poético de Sylvia Plath, que vivia
muito à sua sombra na sociedade machista da época
e só foi produzir uma grande obra depois que o marido
a abandonou? O suicídio de Sylvia atribuído ao
desprezo sentimental de Ted reforça esta mensagem de que
ele foi uma pedra ruim no caminho dela. Enfim, coisas meio à margem
da narrativa, algo que o filme não explora com a devida
eloqüência cinematográfica e que este intérprete
vai jogando seus ditos meio não-diegeticamente, isto é,
em off em relação àquilo que de fato está no
trabalho de Christine Jeffs.
Por Eron Fagundes
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