27 de setembro de 2006
O tempo que resta (Le temps qui reste; 2005) é o mais sombrio e desesperado dos filmes rodados pelo francês François Ozon. Longe da trama divertida de 8 mulheres (2002), o maior sucesso de Ozon mas que me pareceu danosamente superficial, é uma viagem implacável para dentro do desespero humano; sem concessões, adotando uma certa feiúra de filmar, O tempo que resta pode tornar-se até desagradável de ver, mas é o mais denso e mais inquieto trabalho do cineasta.
Ozon está muito longe de ser um gênio do cinema. Sua visão desesperada da vida e da morte dos seres humanos não tem a profundidade das visões de um Bernardo Bertolucci em seus melhores dias ou de um Robert Bresson em quaisquer de seus dias cinematográficos. Mas O tempo que resta é um filme que pode ser visto com o prazer permitido por estes filmes rudes que perturbam e rebentam a cicatriz adormecida dentro do espectador.
Um dos achados da película de Ozon é a variedade do elenco para formar uma só harmonia interpretativa. Melvil Poupaud como o homossexual de trinta anos que descobre um dia que tem câncer e vai morrer em breve e passa uma inevitável jornada de autoconhecimento, pois Poupaud parece fazer um papel que só poderia ser dele. O observador vai descobrir entre os intérpretes algumas benfazejas raridades: a francesa Jeanne Moreau como a avó do protagonista está ali, quase oitenta anos, quem diria que nos anos 50 e 60 foi símbolo sexual do cinema internacional, mas o charme e o brilho permanecem inquestionáveis; aparece também a atriz francesa Marie Rivière, envelhecida para além de seus prováveis quarenta e poucos anos, em poucos momentos Marie nos faz lembrar que foi a personagem exemplar de alguns filmes do gênio francês Eric Rohmer, entre eles as obras-primas A mulher do aviador (1980) e O raio verde (1985), inclusive numa determinada cena de O tempo que resta aparece um álbum de família onde uma fotografia de Marie Rivière bastante jovem a devolve aos tempos de Rohmer.
Enfim, o retrato da espera da morte que Ozon elabora em O tempo que resta é claustrofóbico. Mas os planos finais da criatura aspirando vida num lugar de veraneio, no mar e depois na areia, abrem uma pequena janela de luz para o ponto de não-retorno a que todos, mais dia menos dia, chegamos.
Por
Eron Fagundes