27
de junho de 2005
A provocação
moral proposta pelo filme Tentação (We don’t
live here anymore; 2004), dirigido por John Curran, pouco a pouco
se converte numa maldisfarçada miopia moralista tão
característica dos americanos. A direção
de Curran parece analisar as cabeças irrequietas dos dois
casais sempre demonstrando nostalgia da boa e pura família
americana; o psicologismo superficial da narrativa situa-se anos-luz
distante daquelas investigações de casais que o
sueco Ingmar Bergman e o espanhol Carlos Saura faziam na década
de 70 do século vinte.
A
química do elenco funciona bem, especialmente na manipulação
de contrastes (o cinismo de Mark Ruffalo e a melancolia de Peter
Krause, a beleza sensual de Naomi Watts e a maturidade estudada
de Laura Dern, esta em interpretação extraordinária);
mas o jeito da câmara de Curran desmancha aquilo que de
diabólico e amoral o roteiro poderia conter. As insatisfações
pessoais das personagens e os rolos trazidos aos casamentos pelos
adultérios são expostos de maneira bastante óbvia
e sem sutileza; um melodrama de Hollywood, em suma, sem tirar
os pingos nos ii.
Mas
Curran é pretensioso: mais do que seus braços
lhe permitiriam. Chega a citar, equivocada e inadequadamente,
o romancista russo Leon Tolstoi e sua obra-prima A morte
de Ivan Ilitch, quando o professor vivido por Ruffalo faz em sala de
aula sua interpretação moral da parte moralista
dos dizeres do grande escritor ao analisar o fim do livro. Enfim,
mais um ponto para ver como filmes inexpressivos se voltam muitas
vezes para a grande literatura visando a obter um prestígio
a que de maneira alguma podem aspirar.
Por Eron Fagundes
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