INFERNO NAS TORRES
 

 

24 de outubro de 2006

Oliver Stone, cineasta norte-americano, tem o dom do cinema. Isto faz com que seu filme As torres gêmeas (World Trade Center; 2004) seja cinematograficamente mais eficiente que o super-estimado Vôo 93 (2006), dirigido pelo britânico Paul Grengrass. Mesmo que o espectador se esforce por resistir à comparação (são dois filmes que apresentam enfoques diferentes e descrevem personagens tão distanciadas quanto um passageiro distraído de avião e um bombeiro zeloso de sua função e muito sisudo), é inevitável associar as duas realizações: apesar de múltiplo, o evento de 11 de setembro de 2001 aparece muitas vezes ao observador como um bloco inteiriço, uma seqüência de ações disparatadas que têm uma lógica interna que une todos os episódios que se despencam do fato central como galhos se destacando de uma árvore.

As torres gêmeas não deixa de ter as superficialidades próprias da indústria, como acontece com Vôo 93. A diferença está na direção de Stone, que ameniza os defeitos do filme com seu senso de filmar, que se não o enquadra entre os grandes diretores da atualidade, ao menos o faz um cineasta digno de nota. Ele começa sua narrativa com brilho: monta um apanhado semidocumental do cotidiano dos nova-iorquinos naquela manhã que acabou sendo a mais longa manhã da história da cidade; os flashes tranqüilos das pessoas que apanham a condução, se deslocam pelas ruas, dirigem no trânsito se convertem em planos tensos porque todos sabemos o que viria a seguir; no entanto, a despeito do conhecimento prévio dos fatos, Stone tem, como se disse antes, o dom do cinema para nos impressionar com o inferno nas torres vivido por dois bombeiros soterrados enquanto esperam pelo improvável resgate.
Desde Platoon (1986), sabe-se que Stone se especializou em filmar o inferno humano, homens encurralados pela violência e pelo fogo circunstante sem ter como sair. O inferno da guerra do Vietnã não difere muito do inferno da destruição das torres gêmeas vivido por muita gente que agonizou e morreu ou sobreviveu como os protagonistas do filme: o estado de guerra é semelhante, embora o inimigo, depois de lançar as bombas, esteja gargalhando no outro mundo... Num (o Vietnã) e noutro (o terror de 11 de setembro de 2001) Stone prefere calar a responsabilidade americana, para nos atingir com a potência de seus planos cinematográficos.

Nicolas Cage e Michael Pena são os atores certos para o petardo de drama que Stone encena; e logram dar interesse até ao patético diálogo de evocações familiares que ambas as personagens, sujas e feridas, expõem nas escuras e mortíferas catacumbas dos escombros das torres gêmeas.

Por Eron Fagundes

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