01 de agosto de 2006
Transamérica (2005), de Duncan Tucker, apresenta a seu público dois temas complicados de expor em imagens cinematográficas, primeiramente trata do assunto da dupla sexualidade de um indivíduo que, tendo nascido homem, se sente como mulher e, passando pelos diversos estágios nas mãos de médicos e psicólogos, decide submeter-se a cirurgia de troca de sexo; o segundo assunto, a relação entre um pai e seu filho se inseriria naqueles jogos de descobertas e conflitos como Estrela solitária (2005), do alemão Wim Wenders, e Uma nova vida (2005), do norueguês Hans Petter Moland, se estas descobertas e estes conflitos não fossem exacerbados pelo fato de o pai conter em si a figura duma mãe (o filho foi produto duma escapada heterossexual do atual transexual). O problema central de Transamérica –que é uma narrativa digna e honesta, que merece uma ida ao cinema—é sua encenação mais ou menos convencional para um universo de seres que perturbam a sociedade normal, é o grau de normalidade de sua dramaturgia que busca referir-se às provocações de anormalidade de um determinado mundo social; faltou a Transamérica entregar-se com mais liberdade à anormalidade de seu tema, faltou sangue e fúria à realização de Tucker.
Menos mal que a atriz Felicity Huffman na pele do transexual é um dos achados interpretativos do ano, ela carrega quase tudo o que o filme tem de bom colado em seu corpo, a provocação, a descontração, a irreverência, a emotividade transbordantemente ferida. Ao contracenar com as intervenções pouco inventivas de Kevin Zegers como o garoto extraviado do passado enviesado da figura transexual, a volúpia interpretativa de Felicity revela à luz da imagem a dissonância de notas dos intérpretes, algo semelhante ao que ocorria em La Luna (1979), do italiano Bernardo Bertolucci, entre Jill Clayburgh e Mathew Barry; mas Ducker está muito longe da genialidade de Bertolucci em extrair dum problema achados estilísticos para inovar no cinema.
Como se vê, pode-se ser duro com Transamérica porque não rende tudo o que promete; mas de maneira alguma é uma película para se desprezar.
Por
Eron Fagundes